Volume 14 - 2009 Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini |
Agosto de 2009 - Vol.14 - Nº 8 Psicologia Clínica
FENOMENOLOGIA COMO ORIENTAÇÃO FILOSÓFICA PARA A PSICOLOGIA CLÍNICA
Braz Werneck Resumo O objetivo deste artigo é propor uma relação de complementaridade entre Fenomenologia e Psicologia Clínica. A Fenomenologia, como proposta por Husserl, pode ser complementar à Psicologia Clínica porque é uma atitude ou um método, não uma abordagem teórica com técnicas e estratégias propostas. Com esse método é valorizada a intuição como elemento essencial nos processos diagnósticos. Fenomenologia e Psicologia Clínica estão em categorias diferentes, portanto, não podem ser auto-excludentes. Para ilustrar a complementaridade de que aqui se fala, utiliza-se a Terapia Cognitivo-Comportamental. A partir de fragmentos de casos de transtorno de estresse pós-traumático, observamos a necessidade de uma atitude crítica (não de abandono) em relação às abordagens teóricas. Uma atitude crítica, que coloca a abordagem entre parêntesis, para compreender o funcionamento global do paciente antes de diagnosticar e intervir, é compatível com o método fenomenológico.
Descritores: Psicologia clínica. Fenomenologia. Saúde mental.
PHENOMENOLOGY AS A PHILOSOPHICAL ORIENTATION ON CLINICAL PSYCHOLOGY
This article proposes that Phenomenology and Clinical Psychology complement one another. Phenomenology, as proposed by Husserl, may complement clinical psychology for being an attitude, a method, not another theorist approach. In this method, intuition is treated as being essential in the diagnosis. Phenomenology and Psychology are never mutually exclusive because they belong to different categories. Cognitive Behavioral Therapy is used here to illustrate how Phenomenology and Clinical Psychology can complement one another. Pos-traumatically stress disorder is the main focus of this work with which we may illustrate the need for a critical attitude, but not an attitude of abandonment of the theories. That critical attitude, putting aside the theory, comprehends the patients’ way of living, before the diagnosis; and it’s compatible with the phenomenological method.
Key words: Clinical Psychology. Phenomenology. Mental Health. INTRODUÇÃO As diferentes abordagens psicoterápicas em Psicologia devem sempre ter o mesmo objetivo: o tratamento clínico dos pacientes. O objetivo deste artigo é situar a Fenomenologia como método norteador para a Psicologia Clínica, seja de orientação fenomenológico-existencial, psicanalítica, comportamental ou qualquer outra. A Fenomenologia é considerada uma atitude anterior à afiliação teórica. Isto por não ser uma das orientações citadas, mas uma atitude (Bastos, 2000), uma visão de mundo, um método subjetivo (Jaspers, 2005) que se impõe antes da adoção de qualquer técnica. A atitude fenomenológica se observa a partir da prática clínica, que deve ser a base para as produções teóricas tão almejadas pelas universidades atualmente. Defende-se a ideia de que pela prática se chega à teoria e não o contrário. A prática clínica pode construir, modificar, limitar e ampliar a teoria. O campo da saúde mental tem-se mostrado lugar ideal para tal observação. Assim sendo, espera-se que a Psicologia Clínica seja tratada como intransitiva, não dependendo de afiliações teóricas que, em alguns casos, assemelham-se a um arrebanhamento religioso. POR QUE A FENOMENOLOGIA? O trabalho exercido por profissionais de saúde mental é atravessado pela relação com a pluralidade e pelas relações de afeto. Pela relação estabelecida com o terapeuta, o paciente escapa gradativamente da rotina que o coloca constantemente no lugar que ocupa (Werneck Filho, 2009). Subjetividades se cruzam, objetividades se modificam, a partir do encontro entre pessoas diferentes em essência. O ser humano é naturalmente complexo; por causa disso, uma forma simplificada de estudar o homem não pode ser eficaz (Bastos, 2000). Para dar conta da complexidade, há que se instaurar uma metodologia que considere os vários fatores influentes na constituição dos quadros psicopatológicos. Os aspectos subjetivos e as necessidades subjetivas devem ser contemplados, o que só é possível a partir de uma avaliação clínica cuidadosa (Werneck Filho, 2009). A atitude fenomenológica possibilita que o profissional lide com as diferentes pessoas reconhecendo e respeitando as singularidades e apreendendo as essências que não são acessíveis apenas pela observação racional dos fatos. Existe algo além do evento, além do que está sendo mostrado. A Fenomenologia vai além do fato ocorrido, para captar, por meio da intuição, a essência do fenômeno. Nas palavras de Goto (2008):
A Fenomenologia lança-se como ciência das essências, diferente das ciências dos fatos, pois tem a intenção de ultrapassar os fatos (positivismo) e os aspectos naturais (naturalismo), com o intuito de chegar às coisas mesmas, aos significados mesmos constituídos na subjetividade. (p. 81).
Quando o profissional se deixa circular livremente por essa relação de afetação mútua, fazendo uso de sua intuição, consegue apreender a essência do que acontece à sua volta. A necessidade de explicar deve dar lugar a uma postura compreensiva. Assim, o profissional pode participar do jogo relacional com o paciente, mergulhando na experiência clínica como ela é: uma vivência. Nas palavras de Bastos:
A abordagem fenomenológica, por não pretender explicar, mas compreender, nos permite um aprofundamento da experiência clínica, que permite uma progressiva conjugação e absorção, assim como um amplo uso de outros conhecimentos e explicações das mais diversas naturezas. (2000, p. 14). A Fenomenologia privilegia as relações do homem com o mundo e as consequências das interações entre os corpos como instrumentos para a análise de um quadro psicopatológico. Os corpos exercem, uns sobre os outros, influências de aproximação e/ou afastamento (Spinoza, [1677] 2007); a partir disso, as relações são estabelecidas. A clínica em saúde mental é considerada uma eficiente representação deste modelo. As teorias e as abordagens específicas não devem ser abandonadas, mas colocadas entre parêntesis, para que a atitude compreensiva se estabeleça, e o profissional tenha condições de construir um diagnóstico eficaz. E este é um processo embasado nas proposições do método fenomenológico. Ainda nas palavras de Goto (2008):
A fórmula inicial da Fenomenologia não tem a pretensão de negar o conhecimento construído na ciência e na filosofia, apenas requer para si o direito de excluir qualquer perspectiva teórica sobre as coisas para que se possa ir espontânea e livremente até elas. (p. 74).
O DIAGNÓSTICO FENOMENOLÓGICO A Fenomenologia aparece ora como método, ora como visão de mundo, ora como atitude para que o profissional vise a apreender a essência do problema que tem em mãos, e não a explicar ou diagnosticar de maneira precipitada um amontoado de sinais e sintomas. A tendência geral é de procurar nos pacientes sinais que possam ser observados para a construção do diagnóstico. Esta concepção é uma corrupção do próprio sentido da criação dos manuais diagnósticos e estatísticos. O DSM – IV, como o próprio nome explica, é um manual diagnóstico, sim, mas estatístico. O problema não são os manuais, mas o erro de se usar um manual estatístico para um diagnóstico singular. No processo diagnóstico, de acordo com a visão fenomenológica e com observações clínicas, muito mais importante é a intuição do que o conhecimento prévio sobre sinais e sintomas de neuroses, psicoses etc. O conhecimento fenomenológico se dá quando o profissional compreende que devem ser observadas as formas de relação do paciente com o mundo. Não basta categorizar e entrevistar para diagnosticar. Para o caso da esquizofrenia, por exemplo, Jaspers considera realmente importante uma avaliação de como o doente lida com o seu mundo. Relações são estabelecidas pelo paciente e são o caminho para uma avaliação criteriosa e eficiente. A descrição do que se vê deve ser relacionada a uma interpretação sem devaneios poéticos. Segundo Jaspers, sobre alguns aspectos do quadro esquizofrênico:
... vai de alterações ligeiras para o lado de incompreensibilidade até quase completa desintegração (...). Todas essas personalidades têm algo de peculiarmente incompreensível, frio, inacessível, rígido, mesmo que se manifestem lúcidas e capazes de conversar, gostando até de exprimir-se. (...) Eles, no entanto, nada vêem de incompreensível no que se nos afigura enigmático. (...) A alteração mais leve da personalidade consiste, a bem dizer, no resfriamento e enrijecimento. Os pacientes ficam com a mobilidade diminuída, tornam-se estáticos, quase sem iniciativa. (2005; vol. I p. 533).
Ressalta ainda a necessidade de compreensão existencial do paciente. Assim, não será definidor de diagnóstico, por exemplo, um conjunto de sintomas produtivos. Um sujeito pode ser um esquizofrênico sem que apresente delírios ou alucinações. Em suas palavras:
A diferença mais profunda que existe na vida psíquica parece ser aquela a notar entre a vida para nós empática, compreensível e a vida incompreensível, por sua maneira, isto é, a vida louca, desvairada, no sentido autêntico: a vida esquizofrênica (sem que haja, necessariamente, ideias delirantes). (2005; vol. II, p. 700). Fica clara a ideia de buscar uma compreensão mais global – ou complexa – do que um amontoado de critérios diagnósticos poderia fornecer. O terapeuta deve valorizar as próprias sensações. Quando algo está esquisito, para nós, isto deve ser levado em consideração. A partir daí, toda uma sequência de fatos, impressões ou delírios construirá o encadeamento lógico para a avaliação do caso. E outra argumentação para a importância da intuição no diagnóstico da esquizofrenia é fornecida por Kraus:
A classificação e o diagnóstico atual em Psiquiatria (...) baseiam-se em critérios operacionais e regras específicas de uso. Em uma medida ampla, a intuição é excluída do processo diagnóstico. A intuição do elemento esquizofrênico é principalmente identificada com o sentimento precoce. O ‘diagnostique par penetration’ de Minkowsky e o’ diagnóstico atmosférico’ de Tellenbach também são abordagens intuitivas do elemento esquizofrênico. Segundo Wyrsch, o reconhecimento da pessoa esquizofrênica não se baseia em sinais, como expressões faciais ou gestuais ou contato emocional negativo, nem apenas em uma limitação da compreensão dos motivos de outras pessoas. Segundo Wyrsch, o sentimento precoce tem a ver com uma certa modalidade do ser, uma certa maneira de ‘estar no mundo e participar dele’. (in Maj e Sartorius, 2005; p. 49).
O diagnóstico fenomenológico se utiliza da intuição como seu principal instrumento de avaliação. Isto faz com que sejam contempladas as questões existenciais do paciente, realmente importantes no processo terapêutico.
FENOMENOLOGIA NO TRABALHO DE CAMPO O trabalho de campo, nas modalidades Acompanhamento Terapêutico e Centros de Convivência, é propício para que o psicólogo inicie o seu contato com a clínica. A convivência cotidiana traz possibilidades muito diferentes em relação à avaliação e ao plano de tratamento a ser estabelecido (Werneck Filho, 2009). Frequentemente, o profissional iniciante é apresentado a situações ou pessoas que não se encaixam na ‘bula’ fornecida pela formação universitária. Nesse momento, de alguma maneira, o iniciante, geralmente um estagiário, circula por práticas e pressupostos de uma linha teórica diferente, o que acontece em quase todos os dispositivos de assistência em saúde mental. Bastos (2000) fala com clareza sobre a relação inicial do profissional com a prática clínica, citando o peso provavelmente excessivo da necessidade de que seja seguida uma abordagem teórica pelo terapeuta:
Todo aquele que se inicia tende – compreensivelmente – a ficar um tanto desnorteado com tantas diferentes escolas ou correntes de pensamento, sem ter ideia de como aplicá-las à clínica. No entanto, as diversas concepções teóricas são como os diversos instrumentos de uma orquestra, que, quando o maestro conhece seu ofício, tocam harmoniosamente. O fundamental é a música, não o instrumento. A clínica é uma arte, não uma ciência. Para ser bem aplicada, necessita boa técnica e sólidos conhecimentos científicos, mas deve continuar sendo uma arte. (2000, p. 79).
O iniciante deve estar bem orientado pelo seu supervisor para que não se sinta incapaz por erros cometidos, nem se julgue um ótimo profissional porque um paciente está mais bem adaptado. Ainda segundo Bastos:
Também difícil e trabalhoso é aprender como suportar o medo de falhar e como encarar e aceitar a própria insegurança. Essa aprendizagem deve sempre ocorrer antes do iniciante ficar oscilando entre uma postura prepotente e rígida ou uma timidez também excessiva (...). Depois desse período, existe o risco de que as posturas defensivas se cristalizem e não possam ser mais mudadas. (2000, p. 79).
Invariavelmente, nas supervisões, os estagiários iniciam o trabalho com perguntas satélites e uma dúvida central, sobre como agir com o grupo. Acontece que muitas vezes, é exatamente o ‘nada fazer’ que funciona. Como exemplo ilustrativo, temos o caso de um terapeuta de oficina de música, contratado para trabalhar com pacientes altamente regredidos: complicações motoras, cognitivas e psíquicas. Era um grupo heterogêneo, que apesar das diferenças individuais funcionava como um grupo muito bem entrosado. Todos respeitavam os terapeutas, os horários e as atividades. Ainda assim, eram pacientes sindrômicos, impactantes, que se tornavam um grande desafio inicial. Como fazer uma oficina de música para aqueles pacientes? Em dado momento, o terapeuta planejou apenas a sua presença, estar junto ao grupo. Foi necessário ao terapeuta oferecer-se concretamente, oferecer o corpo para o contato com pessoas que se comunicavam ainda em nível sensório-motor. Essa atitude serviu para uma entrada mais eficaz no grupo por causa do que suscitou no próprio terapeuta: tranquilidade para iniciar o trabalho. No fim das contas, o nada fazer constituiu-se na melhor ferramenta terapêutica inicial. Nesse caso, foi possível observar a influência positiva de um modo de estar no grupo que fosse intuitivo em relação ao movimento deles e do ambiente para o prosseguimento do trabalho. A importância do ‘eu intuitivo’ é ressaltada por Minkowski (2000):
El yo intuitivo o prático es el factor dinâmico del yo que actúa em la experiência cotidiana; aunque iluminado por la conciencia, conservando su carácter de espontaneidad, instintivo, de actividad reflexiva... (2000, p. 123)
Muitos outros problemas que ocorrem no trabalho de campo podem ser solucionados conferindo-se o devido valor à intuição e às relações estabelecidas entre equipe e pacientes e entre membros da equipe.
FENOMENOLOGIA NA PRÁTICA AMBULATORIAL O trabalho clínico dentro do consultório também pode servir de exemplo para a complementaridade entre a Fenomenologia e qualquer abordagem psicoterapêutica. Podemos observar esta ideia a partir de um olhar sobre a prática da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). A TCC estabelece, em seus pressupostos básicos, uma valorização da interação afetiva entre terapeuta e paciente. Safran (2002) ressalta a teoria interpessoal, elaborada por Sullivan, que valoriza o que acontece imediatamente no encontro entre as pessoas. Percepções e formulações de opinião instantâneas são reforçadas ou desconstruídas após a convivência, mas elas acontecem. Segundo Carson (1982):
... o comportamento mal-adaptativo persiste durante longos períodos de tempo, por ser ele baseado em percepções, expectativas ou construções das características de outras pessoas que tendem a ser confirmadas pelas consequências interpessoais do comportamento emitido... (in Safran, 2002; p. 24).
O valor conferido à relação interpessoal na teoria de Sullivan e na obra de Safran sugere a consideração do elemento relacional como essencial na avaliação e na condução de todo o processo terapêutico. Funciona como argumento para que a relação terapeuta-cliente seja respeitada e valorizada mais do que as técnicas posteriores, que dependerão de como essa relação se constituiu. Cabe ressaltar que as técnicas e estratégias estabelecidas pelo terapeuta para o paciente funcionam, sim, o que se defende aqui é a correlação entre as estratégias eficazes e a vinculação terapêutica. Os fragmentos de casos aqui relatados se referem a casos de transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), atendidos pelo autor no ano de 2007. Uma primeira adaptação ao método fenomenológico trata do início do tratamento. Na TCC existe a estruturação de um plano terapêutico com um número determinado de sessões. Nos casos aqui comentados o primeiro momento não constou de avaliações por inventários nem outra forma objetiva. Foi um momento de conhecimento mútuo, baseado nas premissas de que o paciente se daria mais a conhecer e a tratar se estivesse tão à vontade quanto possível. A outra premissa fundamental é de que o paciente com características obsessivas (muito comum nos casos de TEPT) sentir-se-ia mais à vontade quanto menos se falasse diretamente sobre o seu problema, pelo menos nos primeiros encontros. Para os casos de TEPT, há um roteiro de Caminha e Borges (2003), citados por Caminha (in Knapp, 2004), que propõe o tratamento do TEPT em 18 ou 20 sessões. Esse modelo tem uma categorização das sessões: sessões iniciais, sessões intermediárias e sessões finais. Nesses casos foi abolido o número de sessões, mas foram mantidas as categorias, o que se mostrou eficaz para a organização dos pacientes. Por ser um transtorno de ansiedade, com frequentes choques entre características obsessivas dos pacientes e a realidade, é temeroso tratar o TEPT com um rigor ainda mais obsessivo. Nos casos comentados abaixo, é possível observar a diferença no progresso da terapia em relação aos sintomas do TEPT.
CASOS CLÍNICOS Evolução Nos quatro casos em questão os pacientes sofreram um momento de violência urbana, onde suas vidas foram postas em risco. Apresentavam ansiedade elevada, dificuldade para sair de cassa, impossibilidade de trabalhar, ocasionais ataques de pânico e inibições que começavam a dar sinais de um episódio depressivo. Vale ressaltar que todos os casos evoluíram de forma praticamente idêntica, e que os pacientes queriam apenas tratar os sintomas que relatavam para que pudessem voltar a trabalhar normalmente. A proposta inicial, como citado acima, foi de um momento de vinculação, baseado na importância da relação estabelecida com o paciente. Segundo Falcone (in Knapp, 2004), o modo como o paciente se relaciona com o terapeuta irá influenciar diretamente a adesão ao tratamento e o sucesso da terapia. Este é o argumento principal para não planejar um número fixo de sessões. Não se sabe quanto tempo paciente e terapeuta levarão para estabelecer um vínculo suficiente para que o trabalho progrida. O que aconteceu foi que, nos quatro casos, os pacientes apresentaram melhora significativa nas sessões iniciais. Intuitivamente, foram prolongadas as sessões iniciais e estabeleceu-se uma estratégia de suporte e confiança para que pudessem lidar com as questões aflitivas e voltar a ter um funcionamento produtivo no mundo fora do consultório. As estratégias e técnicas cognitivo-comportamentais seriam utilizadas quando a vinculação estivesse estabelecida.
Conclusão O desfecho da terapia nesses casos foi que as estratégias específicas das sessões intermediárias não foram sequer utilizadas. O processo de vinculação foi o processo de toda a terapia; a partir dele, foi possível verificar uma remissão quase total dos sintomas. A terapia de três pacientes durou cerca de quatro meses e meio (curiosamente, cerca de dezoito sessões). Um deles retornou após seis meses para continuar a terapia, alegando que gostaria de trabalhar coisas mais íntimas que não abordara antes. Apenas um deles ficou mais de um ano em terapia. Logo depois, com a remissão total dos sintomas, teve a alta planejada e efetivada gradativamente. DISCUSSÃO A partir desses casos de TEPT foi possível constatar que a atuação do clínico requer muito mais do que a sua formação teórica, ainda que a teoria seja essencial. O clínico deve agir de acordo com a sua forma de ver o mundo e de acordo com tudo o que já viu ou vivenciou fora da atuação clínica. Caso contrário, não seria justo erigir um projeto diagnóstico com base na forma pela qual o paciente se relaciona com o mundo. O mais contundente pressuposto existencialista serve de base para todo este trabalho: “a existência precede a essência”. Para nós profissionais de saúde mental isto quer dizer que antes de nos tornarmos psicólogos somos homens ou mulheres que já devem ter construído uma forma de ver o mundo. Assim, não é só nos livros técnicos que devemos basear a nossa formação clínica. Devemos conhecer melhor o mundo, desenvolvendo a habilidade necessária para lidar com a complexidade humana, muito bem expressa, por exemplo, na literatura. O conhecimento da arte leva a um contato profundo com o ser humano, posto que os artistas expressam o ser humano de formas alternativas, pouco ortodoxas e, por isso mesmo talvez, reveladoras. Nas palavras de Bastos:
...devemos ter em mente que em nossa profissão, sem dúvida alguma, é muito melhor conhecer bem a obra de Sófocles, Eurípedes, Shakespeare, Dostoievsky e Machado, do que decorar síndromes, códigos e listas. O que vemos realmente, todos os dias em nossos consultórios e enfermarias são frustrados Édipos, Orestes e Electras, ou prosaicos Hamlets, Karamazovs e Bentinhos, e não as siglas vazias do DSM-IV. (2000, p. 79).
Em relação ao processo diagnóstico dos pacientes, referimo-nos a uma prática essencialmente preocupada com o ser humano. Bastos (2000) nos fornece uma perspectiva que considera a complexidade do ser humano também no diagnóstico clínico:
Não é o mero estudo da sintomatologia seca que vai fornecer os elementos diagnósticos profundos, mas o da personalidade subjacente, oculta por esses sintomas. Esta só é acessível indiretamente, através da interação pessoal – ou seja, afetiva – entre entrevistador e paciente, que pode revelar a proporcionalidade e a relação entre os sintomas. A avaliação baseada exclusivamente em questionários ou listas de sintomas é frequentemente falha ou, no mínimo, superficial. (2000, p. 79).
O psicólogo deve estar consciente de que não ganha pontos enquadrando ou definindo um diagnóstico para um paciente. O diagnóstico serve como orientador clínico, mas ele não é a clínica em si.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Não faz sentido a ideia de que a Fenomenologia e a Psicologia Clínica sejam mutuamente excludentes por pertencerem a categorias diferentes. Seria o mesmo que dizer que quem é cristão não pode ser torcedor do Flamengo. Fala-se aqui de um método que privilegia a subjetividade como instrumento diagnóstico. Pode ser aplicado sob qualquer orientação psicoterápica. A ressalva a ser feita quanto ao método fenomenológico é que ele deve ser encarado como um método, rigorosamente. Utilizar a intuição para um diagnóstico não é adotar uma postura esotérica. Acreditamos que a subjetividade é produtora de verdades autênticas. Essas verdades são objeto de trabalho clínico. Para a atuação clínica, o trabalho orientado pela perspectiva fenomenológica tende a ser um trabalho que considera os vários aspectos da formação da personalidade, da subjetividade e, por conseguinte, da formação dos quadros patológicos A abordagem fenomenológica na orientação e supervisão de equipes possibilita o contato do profissional com as suas afetações, o que fornece ao clínico um novo olhar sobre a sua própria atuação. Frequentemente é difícil falarmos sobre o que um paciente nos provoca. Acontece que, quando conseguimos dar a devida atenção a essa interação, identificamos o cerne da problemática do doente, que acaba por refletir-se em nós mesmos. Segundo Bastos: “O melhor termômetro para o que está acontecendo com o paciente é o que nós, terapeutas, estamos sentindo na relação com ele”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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