Volume 13 - 2008 Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini |
Fevereiro de 2008 - Vol.13 - Nº 2 Psicanálise em debate
Resenha de SEDUÇÕES DA PSICANÁLISE – FREUD, LACAN E DERRIDA Sérgio
Telles * John Forrester é conferencista em História e Filosofia da Ciência na Universidade de Cambrigde. Resume seu trajeto assim: “da Ciência para sua história, da sociologia da ciência para a história da psicanálise e daí para a ‘teoria francesa’”. Encontrou em Lacan o Freud que admirava, traduziu para o inglês seus primeiros seminários. É admirador de Foucauld e Derrida, autores que o influenciaram. Escreveu “Linguagem e as Origens da Psicanálise”. Já traduzido para o português, onde reconhece algumas deficiências que pretende corrigir no atual livro. O livro traz seis artigos publicados em periódicos e coletâneas inglesas, sendo que três deles foram originalmente conferências proferidas na França e na Inglaterra. Os três primeiros abordam aspectos históricos do início da psicanálise e, sendo este um terreno lavrado à exaustão, o autor procura achar algumas idéias interessantes. Em “A verdadeira história de Anna O.”, enfoca o tema da responsabilidade pela paternidade física e intelectual, problema que Freud estaria atravessando naquela ocasião, com o nascimento de sua filha Anna e a descoberta da psicanálise. Como se sabe, inicialmente Freud dava a Breuer todos os créditos desta descoberta a Breuer, atribuía a paternidade da psicanálise a Breuer, que, por sua vez, negou-se a assumir a “paternidade” do filho imaginário de sua paciente Anna O., fugindo da descoberta da transferência amorosa que ali se exibia plenamente. Em “Contraindo a Doença do Amor: Autoridade e Liberdade nas Origens da Psicanálise”, Forrester aprofunda o tema do capítulo anterior, o da transferência amorosa, rebatendo uma critica de Robert Castel à psicanálise. Sendo estruturalmente uma relação assimétrica, a relação analítica reativa anseios infantis profundos, ligados à dependência e à ligação exclusiva com a figura parental projetada no analista. Forrester traz à baila a teoria da sedução de Freud e sua atualidade, discutindo ambígua dialética entre sedução e estupro, distinção legal que a psicanálise ousa, de certa forma, relativizar. “Os Prazeres Inauditos (unspeakable) da Psicanálise: Freud, Dora e a Madona”, o capitulo três, faz Forrester mostrar a dificuldade de Freud em aceitar a posição feminina na transferência (transferência materna), o que teria levado ao fracasso o caso Dora. Na opinião do autor, Freud não queria que a analise se transformasse em “conversa de comadres”, “fofocas de mulheres”, daí “recusar” as confidencias de Dor. Preocupado em dar uma conotação “séria” à psicanálise, Freud ter-se-ia incomodado com este fato peculiar de que a análise envolve um tipo de discurso, uma fala que limita permanentemente com a fofoca, a boataria, este campo onde, por excelência, manifesta-se o imaginário das pessoas, e que se expressa numa palavra reveladora e próxima do processo analítico, o “ouvi dizer”, o “diz-que-diz”, o “hearsay” em inglês. Os três últimos capítulos são mais interessantes. Em “O que o Psicanalista faz com as Palavras: Austin, Lacan e os Atos de Fala em Psicanálise”, Forrester aproxima o conceito de “ato de fala” do filósofo inglês Austin com o conceito de “fala plena” de Lacan. Ambos recusam uma concepção funcionalista da linguagem como comunicação, reconhecendo nela outras e mais importantes funções. Austin critica a “reitificação do discurso encontrado nas teorias da linguagem influenciadas pelo positivismo lógico”, que dizem ser ela “descritiva” ou “constatativa”, onde os enunciados são sempre “falsos” ou “verdadeiros”. Em lugar disso, considera a maioria dos proferimentos como “performáticos”. O titulo de um de seus livros é “How to do things with words” (“como fazer coisas com palavras”)que – em francês foi traduzido como “Quand dire c´est fairre” (“quando dizer é fazer”), mostrando as conseqüências diretas e concretas na realidade dos que falam, desencadeando complexos fatos e circunstancias interssubjetivas. Por exemplo: quando alguém diz “sim, aceito” numa cerimônia de casamento, esta fala “performa”, transforma seu estado, tem imensos desdobramentos, todos diversos de meros enunciados “verdadeiros” ou “falsos”, como se pensaria dentro dos modelos positivistas da linguagem. Semelhante, mas muito mais abrangente e estruturante, Lacan desenvolve seu corpo teórico em cim da importância da linguagem, do discurso do Outro enquanto constitutivo do sujeito humano. O capítulo cinco: “Em cima da hora: a Teoria da Temporalidade segundo Lacan”, é um tema riquíssimo, no qual Forrester procura descrever a dimensão do tempo no inconsciente na visão lacaniana, delineando as duas vertentes do tempo da compulsão à repetição, da posteridade (“après-coup”) – com suas complexas implicações no estudo da causalidade em psicanálise, e do “tempo lógico”, com seus três momentos. O autor aborda os efeitos práticos dessa teoria do tempo lógico nas problemáticas sessões curtas lacanianas e em suas salas de espera lotadas de pacientes que nunca sabiam se e quando seriam atendidos. Finalmente, “Quem está em analise com quem – Freud, Lacan, Derrida”, o último artigo, é de longe o mais instigante, o mais polêmico e aquele sobre o qual muito poderia ser dito. Forrester fala aí dos problemas da formação do analista, das instituições psicanalíticas, das re-análises, das fofocas entre psicanalistas. São dissecados aí os “discretos charmes da freudosia” (saborosa expressão citada pelo psicanalista francês Granoff ), este espaço onde é difícil delimitar o analítico do não-analitico, onde reinam a analise selvagem e a transferência selvagem. Uma boa interpretação deste mundo é a recolhida num trabalho de Serge Leclaire, citado por Forrester, que diz que a cena primária aqui é o que ocorre no divã do outro. A formação do analista é abordada através dos interessantíssimos exemplos da relação Freud-Jones-Loe (amante de Jones) e Jones-Joan Riviere (paciente de Jones) -Freud, bem como do trabalho sobre contratransferência de Margareth Little, citado equivocadamente por Lacan em seu seminário I como de Annie Reich. Os impasses nesta formação são relembrados, inclusive o que o autor chama de “instrutivo fracasso” da experiência lacaniana do “passe”. Forrester fala da diferente postura dos analistas franceses e anglo-saxões. Aqueles parecem tem uma relação transferencial direta com Freud, enquanto estes julgam “começar” com Freud, procurando mostrar um avanço “para além de Freud”. Neste capitulo, a referência central é Derrida, do qual vários textos são citados, especialmente “Du tout”, publicado em “La Carte Postale”. Concluindo, Forrester retoma o ponto abordado no capítulo quatro, o não analisável em Freud e nas instituições, vinculando-o com a transferência feminina, como o papel da mulher, a fofoca, o diz-que-diz. Lendo “Seduções da Psicanálise” tem-se muitas vezes a impressão estranha de estar ouvindo alguém falar de muito próximo da psicanálise, mas não de dentro dela. Mas é compreensível por não ser o autor um analista e não evidenciar ter tido alguma experiência pessoal direta com a análise, além da teórica. Mesmo assim e por mais que se possa discordar de algumas de suas idéias, aborda ele estimulantes temas lacanianos, que enriquecem o debate psicanalítico. Há um problema de editoração. Há muitas notas de pé-de-página, colocadas no final de cada capítulo, o que dificulta muito a leitura. O capitulo cinco chega a ter um impossível numero de 194 extensas notas. É de se perguntar se não seria o caso de o autor refazer todo o capitulo e integrar aquele material ao texto principal, possibilitando uma leitura fluida e sem interrupções desagradáveis.
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