Volume 12 - 2007 Editor: Giovanni Torello |
Outubro de 2007 - Vol.12 - Nº 10 Coluna da Lista Brasileira de Psiquiatria |
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COLUNA DA LISTA BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA (LBP) - Dr. Fernando Portela Câmara
Saiu este mês nos jornais que o CREMESP abrir sindicância para apurar o uso de injeções de hormônios femininos em pedófilos tratados no Ambulatório de Transtornos de Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC, em Santo André. Trata-se do que é popularmente conhecido como "castração química", um procedimento usado nos EUA e que estaria sendo aplicado no País. O tratamento diminui temporariamente o desejo sexual e disfunção erétil, e só é usado quando os pacientes não respondem a outros remédios, como antidepressivos, com o consentimento dos mesmos. O CREMESP quer verificar se o psiquiatra responsável pelo ambulatório, baseou-se em evidências científicas. De acordo com o primeiro-secretário do Conselho, o psiquiatra não será punido se apresentar evidências científicas sobre a terapia. Este declarou que o tratamento é baseado na orientação de entidades médicas como a Associação Internacional para o Tratamento de Agressores Sexuais. Destacou ainda que o método só é aplicado em pacientes refratários a outros tratamentos e que não defende a medida como pena para pedófilos que cometeram crimes. Colegas do psiquiatra no Conselho Penitenciário do Estado, onde o médico também atua, apóiam o tratamento. Nos últimos dias, a terapia foi criticada por advogados e classificada como nazista por teoricamente ofender os princípios constitucionais da dignidade humana. "Os advogados gostam de falar da teoria, discutir o sexo dos anjos. Estes fatos produziram na LBP a`seguinte discussão.
Eu tinha ouvido na Band News essa história. Na verdade já é utilizada em outros países e realmente a chamam de "castração química". Ela é realizada inclusive por ordem judicial o que é bem interessante porque prender o pedófilo de nada adianta, pois quando ele sair vai continuar na mesma. Nesse caso aí até temos um pedófilo bastante razoável querendo se tratar e aceitando a medicação para controlar digamos assim seus impulsos pelo menos de forma física, embora á forma psíquica é a que assume o controle quase que total.
Mas só para gerar polêmica, funcionaria também para homosssexuais, estupradores, compulsivos sexuais etc? Sandra Greenhalgh
Não há nada de extraordinário em supressão gonadal em pacientes de risco para violência sexual. Venho tratando vários pacientes, em geral com depoprovera, mas alguns com depolupron (que eu particularmente prefiro, apesar de mais caro). Em casos de difícil supressão da libido, tenho associado flutamida, que tem uma ação cerebral direta (em combinação com a supressão dos níveis periféricos de testosterona) . Os pacientes devem seguir com acompanhamento da densidade óssea, e reposição de cálcio e vitamina D. Caso o CRM precise de uma consulta externa sobre o papel da supressão gonadal em indivíduos com comportamento criminal sexual, eu posso participar já que duvido que exista muita experiência no Brasil, em vista do alvoroço da noticia. Com o consentimento apos informação/educação apropriados, não há nenhuma questão ética. A decisão do tratamento pertence ao paciente e seu médico. O CRM esta' intervindo na relação terapêutica, e limitando as escolhas do paciente. Neste sentido, e' o CRM que violaria a ética médica caso impedisse o tratamento voluntário e empiricamente demonstrado de pacientes nesta situação. Paulo José Negro
(Respondendo a Sandra)
Sim, estupradores, compulsivos sexuais associados a comportamentos violentos. A questão legal é complicada, com alguns estados criando leis de internação compulsória apos o tempo de prisão. Os pacientes que eu vejo receberam diagnóstico de doença mental, frequentemente designados como inimputáveis. O uso hormonal tem limitações, mesmo a castração física, pois o individuo pode parar de tomar depois da alta ou receber reposição de testosterona. A avaliação da efetividade também é difícil, em geral é melhor verificar que o nível sérico de testosterona (e testosterona livre) seja próximo de zero, mas idealmente seguimento com pletismografia é ideal pois estes pacientes mentem bastante. Não há lei em Maryland que force a supressão gonadal, e os pacientes que usam os medicamentos o fazem voluntariamente. Eles também recebem tratamento para a doença mental, grupos para sexual offenders, e se submetem a atividades regimentadas do hospital forense (creio que o equivalente no Brasil seria um hospital de custodia). A questão do risco é bem documentada, de maneira geral identificada por critérios semi-quantitativos. Por exemplo, um estuprador tem maior risco de comportamentos violentos, relacionados ou não a sexo. Um padre pedófilo costuma usar mais forca física que outros não religiosos. Quanto mais cruzamentos de diferentes categorias, maior o risco de recidiva. Por exemplo, alguém que estupra o vivo e depois da morte, ou que se dedica a zoofilia, tem maior chance de recidiva e/ou de se engajar em outros comportamentos sexuais desviantes. Por outro lado, a pedofilia relacionada a incesto tende a ter menos recidiva depois que a vitima sai de casa, pois a ecologia do comportamento e' bem limitada. O bloqueio androgênico irá causar diminuição da libido, o quanto varia de homem para homem. No caso de mulheres, eu não sei, é mais complicado. Testosterona parece se relacionar a libido, mas o nível sérico já é mais baixo (relatos apócrifos sugerem maior libido em mulheres com ovário policístico) . O desejo não é uma questão gonadal, mas é alavancado pela atividade gonadal.
II
... Existe uma certa obsessão com a questão da orientação sexual. Aqui nos EUA esta obsessão é tediosa. Não vejo evidencias que o comportamento homossexual seja mais ou menos associado a psicopatia sexual. Eu tenho me interessado mais no efeito da supressão gonadal na agressividade não-sexual em homens. Existe bastante evidencia que pelo menos em primatas não-humanos, a supressão gonadal é associada à diminuição da agressividade. Como eu trato alguns pacientes extremamente agressivos, a questão diz respeito ao uso de antiandrogênicos sem dados sistematizados em humanos. A limitação é como construir estudos que permitam este tipo de intervenção, já que maioria da população é forense (limitação a participação de pesquisa) e a agressividade em si e' heterogênea. Mas sobre a homossexualidade, apesar da biologia ser uma questão interessante, as discussões em si terminam por revolver em preconceitos, quando mais interessante são os pos-conceitos. Tedioso.
III
Eu ja' ouvi muitas vezes a critica de que a maneira de lidar com a variedade existencial e' prender, internar, no caso aqui castrar. Minha perspectiva e' que este argumento e' parte da desconstrucao pós-moderna do discurso médico, como já disse em outras oportunidades. Veja bem, todos os indivíduos que receberam tratamento hormonal com que eu direta ou indiretamente estive envolvido cometeram crimes. A questão não é a localização do comportamento sexual em uma curva da normalidade, mas que alguém foi assassinado, estuprado, atacado. A sociedade somos nós. O comportamento deve ser punido para desestimular sua repetição pelo criminoso ou outros, embora o indivíduo deva ser na medida do possível recuperado. A humanidade com que lidamos com aqueles que pouco fizeram para merecê-la é que diz respeito ao nível de civilização da sociedade.
Vou tentar colocar em palavras uma das razões porque acho a desconstrução pós-moderna destrutiva. Todas as sociedades colocam comportamentos sociais em perspectiva do que e' aceitável ou inaceitável. Em se considerando uma analise bidimensional, fica o exemplo da distribuição normal dos comportamentos, inclusive heterossexual x homossexual. Em paises do oriente médio, o individuo pode ser preso ou morto por expressar comportamento homossexual (com exceção do Iran, pois o seu presidente disse que não existem homossexuais lá). Eu considero a aceitação do comportamento homossexual como evidencia de avanço de civilização.
Existe uma aparente contradição entre a busca do universalismo e a advocacia partidária pelo Outro étnico, social, sexual. Eu considero que o respeito genuíno pelo Outro é parte inseparável da justiça universal e igualitária. Portanto, a razão de se aceitar o comportamento homossexual reside em enxergar o Outro sem reduzir sua transcendência a sua orientação sexual ainda que sua alteridade sexual seja intrínseca parte de sua transcendência. A redução da tensão/ligação entre alteridade/universidade a uma curva de normalidade, qualquer que seja, é não captura a experiência humana. A universalidade e a aceitação do Outro faz parte do processo civilizatório.
Não sei se consegui explicar, é difícil colocar em palavras algo que se intui.
Paulo José Negro
Está bem colocada tua idéia PJ. Prender, castrar são determinações legais. Não é papel do psiquiatra. Internar, se não for voluntariamente, também é uma exigência legal. Cá entre nós, é bem mais fácil viver com papéis bem determinados. bom dia WalmorEstá bem colocada tua idéia PJ. Prender, castrar são determinações legais. Não é papel do psiquiatra. Internar, se não for voluntariamente, também é uma exigência legal. Cá entre nós, é bem mais fácil viver com papéis bem determinados. Walmor Piccinini
A propósito dessa castração química, me parece que ela é reservada ao criminosos impulsivo e compulsivo. Se formos analisar o problema da pedofilia veremos que é muito sério e, de modo geral, transita dentro das famílias. O grande problema deixa de ser o criminoso, mas os familiares da vítima. Tios, avôs, pais, irmãos etc. Esses casos raramente chegam a público e as famílias abafam como uma vergonha. Isso nos coloca numa situação complicada. Nos EUA o psiquiatra deve denunciar quando sabe de abusos contra a criança. A rigor, aqui também deveria ocorrer, mas, nos poucos casos que aparecem o psiquiatra termina compactuando com a família para evitar mal maior. Será correto? Walmor Piccinini
A questão colocada aqui foi a do uso da castração química por um colega nosso em prisioneiros supostamente voluntários e/ou sob determinação do MP; bem como a normatização deste procedimento, que requer a intrervenção do CRM local e CFM. Portela
[...] esse rótulo de pedofilia nem sempre é bem aplicado.
Existem indivíduos que mostram desejo sexual por crianças sem jamais delinqüir.
Lembro de um caso - que saiu até no jornal - em que o indivíduo chegou a se
automutilar para evitar o desejo pela sobrinha,
Por outro lado, muitos dos que atacam crianças - incluindo aí tanto criminosos
comuns como deficientes mentais e psicóticos - não o fazem por nenhum desejo
pervertido específico mas simplesmente pelo fato de que crianças são indefesas.
Predadores sempre atacam os mais fracos; é só isso.
Quanto a esse assunto de castração (química ou não) vinculada à justiça, acho
coisa de americano, com aquele controle todo que o PJN já descreveu. Aqui, isso
não faz sentido, já que ninguém controla coisa nenhuma; se o cara quiser compra
androgênios em qualquer esquina, de todas as procedências. Outro dia atendi um
garoto que, entre outras coisas, tomava quilos de um esteróide com o rótulo
todo escrito em russo.
Mesmo lá nos EUA, não acho que a medida seja assim tão útil: para inibir a
delinqüência sexual, talvez o que funcione mais seja o controle rígido que eles
exercem e nem tanto a droga em si.
Nos casos de castração totalmente voluntária (sem qualquer coerção indireta por
problemas judiciais), não vejo motivo para o CRM criar problemas, uma vez que a
pessoa esteja em pleno gozo de suas faculdades mentais.
Last but not least, acho que, em princípio, nós psiquiatras deveríamos
evitar nos meter com intervenções "terapêuticas" vinculadas a
problemas forenses. Enquanto que a justiça - que tem o poder real sobre todas
as decisões - passa incólume por todas as controvérsias, os médicos acabam
ficando com a pecha de castradores, torturadores, carcereiros, etc.
Cláudio Lyra Bastos
OPINIÃO
O tema da periculosidade, jamais foi discutido seriamente
pelos psiquiatras. Periculosidade é uma questão social e jurídica, porém
absolutamente fora do campo psicopatológico. O que o psiquiatra pode dizer
sobre o examinando restringe-se à sua saúde mental. Existem pessoas
perigosíssimas sem nenhum problema psiquiátrico, e vice-versa.
O laudo de "cessação de periculosidade" deveria chamar-se laudo de
"estado de saúde mental", somente. Quem tem que decidir sobre a
periculosidade é apenas o juiz, que ganha especificamente para isso.
Pressupõe-se que ele seja capaz de discernir se há vinculação entre uma coisa e
outra.
O poder deve ser proporcional à responsabilidade assumida. Da maneira como está
colocada atualmente a questão, os juízes ficam com o máximo poder e a mínima
responsabilidade, enquanto que os peritos ficam com a máxima responsabilidade e
o mínimo poder (os salários refletem este, não aquela).
A ambivalência, a leniência e a passividade dos psiquiatras está fazendo com
que sejam crucificados por ação ou por omissão, mesmo quando legalmente não
lhes caiba qualquer decisão. Se internam, são carcereiros; se não internam, são
irresponsáveis, e por aí vai. Cláudio Lyra Bastos.
CITAÇÃO
"O que não me mata, me fortalece".
Nietzsche
"... Ninguém se torna iluminado imaginando figuras de
luz, mas sim tornando a escuridão consciente"
- Jung
HOMENAGEM
"Irene no céu":
Irene preta,
Irene boa,
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu Branco.
E São Pedro bonachão:
- Entre Irene,
Você não precisa pedir licença.
(Manuel Bandeira)
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