Novembro de 2005 - Vol.10 - Nº 11
Artigo
do mês
SÍNDROME DE INTERRUPÇÃO DOS
INIBIDORES SELETIVOS DA RECAPTAÇÃO DA SEROTONINA
Paulo José R. Soares
Estudos epidemiológicos mostraram que 2/3 dos pacientes com depressão
interrompem o tratamento antidepressivo entre o primeiro e o segundo
trimestre depois de iniciada a psicofarmacoterapia por diversos
motivos:
- o paciente acredita que não necessita mais continuar tomando
a medicação;
- o paciente tem medo de ficar dependente do antidepressivo;
- o paciente acredita que o tratamento psicofarmacológico
não está dando resultado; e
- o paciente não consegue pagar a manutenção do tratamento
1.
Desde 1993, a literatura médica vem registrando efeitos decorrentes
da interrupção do tratamento com inibidores seletivos da recaptação
da serotonina por parte de pacientes que se esquecem de tomar sua
dose única diária quando estão de férias ou durante os fins de semana
1.
Recentemente foi proposto o termo de Síndrome de Interrupção
1,3, Síndrome da Retirada 2 ou Síndrome
da Descontinuação 2 (Discontinuation Syndrome
2), pois não se trata nem de uma síndrome de abstinência
(withdrawal syndrome) nem da recaída do transtorno depressivo.
O tratamento a longo prazo com inibidores seletivos da recaptação
de serotonina aumenta a serotonina disponível na fenda sináptica,
com posterior diminuição na sensibilidade dos receptores pós-sinápticos
como alteração compensatória (fenômeno conhecido como regulação
negativa). Os sintomas da interrupção podem ser explicados por um
dos seguintes efeitos:
- Um efeito primário sobre a produção de serotonina (diminuição
dos níveis) que altera os ajustes homeostáticos com receptores
pós-sinápticos regulados negativamente;
- Efeitos secundários sobre sistemas modulados por rotas serotoninérgicas;
- Participação de outros neurotransmissores pois a seletividade
da ação sobre a serotonina é relativa e difere entre os compostos
(a paroxetina apresenta uma afinidade significativa pelos receptores
muscarínicos e a sertralina bloqueia a recaptação da dopamina);
e
- Uma combinação destes efeitos 3.
O quadro se caracteriza por:
- síndrome não atribuível a outras causas como uma recaída
clínica ou uma síndrome de abstinência 1;
- início abrupto, durante a primeira semana, quando o tratamento
foi interrompido pelo paciente por dificuldades em sua aceitação
(compliance) ou porque se esqueceu de tomar uma dose
(férias, fins de semana) ou porque não tinha meios de obter
a medicação ou diminuiu a dose para terminar o tratamento com
o antidepressivo (este último o motivo menos freqüente) 1,3;
- os sintomas aparecem mais freqüentemente no quinto dia depois
que a medicação foi suspensa 1 (entre 1 e 10 dias
após a retirada da medicação 2);
- os sintomas geralmente duram 2 1 a 3 2
semanas, ao final das quais desaparecem de forma espontânea
1;
- os sintomas desaparecem rapidamente nas primeiras quarenta
e oito horas ao reiniciar-se o medicamento antidepressivo ou
outro similar (por exemplo, fluoxetina em lugar de paroxetina)
1;
- incidência mínima quando se reduz a dose de inibidores seletivos
da recaptação da serotonina de forma lenta e gradual ou quando
se usam inibidores seletivos da recaptação da serotonina de
½ vida longa, como a fluoxetina 1 (no caso da fluoxetina
a síndrome pode aparecer várias semanas depois e persistir por
até 3 semanas 2).
- presença de sintomas somáticos:
- alterações do equilíbrio (paroxetina 15%, fluvoxamina 9,3%,
sertralina 2,2%) como mareio 1,3, tonturas 2,
vertigem 1,2,3 e ataxia 1;
- sintomas gastrointestinais (clomipramina 15,4%, paroxetina
6%) como náuseas e vômitos 1,2,3;
- sintomas que simulam gripe ou resfriado (paroxetina 12%)
como fadiga, letargia, mialgia, calafrios 1,2,3;
- sintomas sensoriais (clomipramina 30,8%, paroxetina 12%)
como parestesias tipo queimadura ao nível de nuca ou na cabeça,
sensação de choque elétrico 3, sensação de estar
bêbado ou bobo, sensação de zumbidos na cabeça 1,2;
- alterações do sono (clomipramina 15,4%) como insônia 1,2,
sonhos vívidos ou pesadelos 1,2.
- presença de sintomas psicológicos:
- irritabilidade 3;
- ansiedade/agitação 1,3;
- crises de choro 1,3,
- Outros: agitação psicomotora 1, hiperatividade
1,3, despersonalização 1, dificuldade
em concentrar a atenção 1,3, pensamento lento 3,
dificuldade na memória recente 1,3, diminuição do
tônus afetivo 1,3, despersonalização, 3
confusão mental 1,3.
Segundo o perfil farmacocinético dos psicofármacos, os sintomas
de interrupção estão inversamente relacionados com a capacidade
do fármaco para inibir a recaptação da serotonina, razão pela qual
a paroxetina e a fluvoxamina são as drogas que produzem mais sintomas,
seguida da sertralina, clomipramina, fluoxetina, venlafaxina e trazodona
1,2. A maior ocorrência destes sintomas com a paroxetina
pode ser explicada não apenas por seu perfil farmacocinético mas
também por seus efeitos anticolinérgicos 2.
A gravidade dos sintomas em geral é de leve a moderada mas, em
alguns casos, pode acarretar uma incapacidade mais grave nas atividades
da vida diária, perda de tempo de trabalho e necessidade de tratamento
adicional 3.
Na maioria dos pacientes, os sintomas de interrupção são de curta
duração, revertendo-se em 2 semanas, porém podem persistir até 21
dias, a menos que se introduza o inibidor seletivo da recaptação
de serotonina original ou outro antidepressivo similar. Em geral,
esta medida leva a uma rápida remissão dos sintomas nas primeiras
24 horas 3.
Os sintomas gastrointestinais, os transtornos do sono, o parkinsonismo,
a acatisia e a mania paradoxal ocorrem também com a interrupção
dos antidepressivos tricíclicos 1. Pensa-se que estes
sintomas sejam devidos a um fenômeno de rebote, posterior ao bloqueio
colinérgico 1,2, enquanto o parkinsonismo e a acatisia
seriam devidos ao desequilíbrio da relação acetilcolina/dopamina
1. O incremento da biodisponibilidade de acetilcolina
pode ativar o sistema límbico e ativar o quadro maníaco 1.
Os efeitos colinérgicos são produzidos exclusivamente pela clomipramina
e pela paroxetina porque os demais inibidores seletivos da recaptação
da serotonina não possuem ação colinérgica 1.
Os demais sintomas parecem ser devidos à diminuição da biodisponibilidade
da serotonina ao nível de sinapse na fase de down-regulation
dos receptores pós-sinápticos provocada pelos inibidores seletivos
da recaptação da serotonina 1. Neste nível é importante
a ½ vida da droga, razão pela qual a fluoxetina produz menos sintomas
de interrupção ao não reduzir de forma brusca a biodisponibilidade
de serotonina a nível sináptico, ao contrário das drogas de ½ vida
mais curta como a paroxetina, a fluvoxamina e a sertralina 1.
O mareio e as parestesias são devidos à diminuição da concentração
de serotonina , neurotransmissor responsável pela coordenação das
funções sensoriais e autonômicas com as funções motoras grosseiras
e os músculos faciais 1. As parestesia são mais freqüentes
na face, nuca ou tronco e raramente se apresentam nas extremidades.
Além disto, aumentam ao menor movimento 1.
Os fatores de risco para que ocorra a Síndrome de Interrupção:
- uso de um inibidor seletivo da recaptação da serotonina
de ½ vida curta ou que não apresente um metabólito ativo ou
que seu metabolismo não seja linear 1,3;
- emprego de um antidepressivo que possua ação sobre os receptores
muscarínicos (clomipramina, paroxetina) 1;
- duração do tratamento superior a 3 meses 1,3;
- suspensão abrupta do medicamento 3;
- paciente com dificuldades em aceitar o tratamento (compliance),
principalmente quando a terapêutica antidepressiva não foi eficaz
1,3;
- pacientes que apresentaram ansiedade como efeito secundário
ao iniciar o tratamento, pois sintomas ansiosos podem reduzir
a aceitação de uma psicofarmacoterapia prolongada 1;
- pacientes jovens (crianças e adolescentes) 1,3;
- história prévia de sintomas de interrupção 3.
O diagnóstico diferencial é feito com os seguintes quadros clínicos:
- Ações adversas - geralmente se apresentam na primeira
semana de uso da medicação e desaparecem ou se desenvolve tolerância
para os mesmos nas semanas seguintes 1; as ações
adversas decorrentes do uso de inibidores seletivos da recaptação
da serotonina mais freqüentes são náuseas, cefaléia, ansiedade,
transtornos do sono, disfunção sexual e sudorese 1;
alguns sintomas se apresentam exclusivamente com um psicofármaco,
por exemplo, a sertralina pode provocar vezes amolecidas e a
paroxetina crises de hipomania 1; o aparecimento
de ações adversas faz com que o paciente suspenda o tratamento
durante o primeiro mês, período no qual não se apresentam sintomas
de interrupção 1; as ações adversas desaparecem quando
se diminui a dose ou se suspende a medicação 1.
- Síndrome de abstinência - surge quando se suspende
bruscamente a administração de psicofármacos como os benzodiazepínicos
ou o consumo de substâncias como o álcool e a cocaína 1;
são sintomas de origem simpática, como sudorese, taquicardia,
agitação psicomotora, midríase, dificuldade respiratória, que
podem produzir convulsões, colapso cardiovascular, coma ou morte
1; os sintomas da síndrome de abstinência sugerem
o comprometimento do sistema GABAérgico sobre o qual os inibidores
seletivos da recaptação da serotonina não possuem ação farmacológica
1; está comprovado que os inibidores seletivos da
recaptação da serotonina não produzem dependência, tolerância
nem síndrome de abstinência 1.
- Síndrome serotoninérgica - ver 5.1.2.
- Recaída do episódio depressivo - nela as alterações
do humor, do apetite, do sono, da vivência depressiva são mais
intensas e requerem um ajuste das doses antidepressivas ou de
se associar um novo psicofármaco 1,3.
- Abstinência de medicamentos ansiolíticos - quadro
potencialmente mais grave que abrange taquicardia, sudorese,
nervosismo até convulsões, coma e morte 3.
- Fenômenos de rebote - ansiedade ou insônia 3.
O surgimento de sintomas da interrupção aumenta o custo do tratamento
médico de forma considerável. O paciente é submetido a uma série
de exames clínicos e paraclínicos para encontrar a etiologia de
sintomas que não representam perigo de vida e desaparecem espontaneamente
1,2.
Os sintomas de descontinuação impedem que o paciente aceite de
forma adequada o tratamento psicofarmacológico para suas crises
depressivas, o que representa o risco de o quadro clínico se cronificar
1.
Do ponto de vista médico se faz necessário que o profissional
tenha em conta a possibilidade de aparecimento dos sintomas e, diante
da suspeita, pergunte ao paciente se ele interrompeu o uso da medicação.
Se a resposta é positiva, deve reiniciar a medicação 1.
Se a aceitação do tratamento por parte do paciente é precária
e se suspeita que no futuro não muito distante ele vai tentar suspender
novamente a medicação, deve se ter como alternativa terapêutica
a prescrição de um inibidor seletivo da recaptação da serotonina
de ½ vida longa, como a fluoxetina 1.
Uma estratégia eficiente para prevenir o aparecimento da Síndrome
de Interrupção deve incluir os seguintes aspectos:
- Informar ao paciente sobre os transtornos depressivos e
seu tratamento, tranqüilizando-o sobre a natureza limitada da
síndrome de interrupção e a ausência de risco significativo
1,3;
- Diminuir a dose do antidepressivo de forma gradual, especialmente
quando se trata de um antidepressivo de ½ vida como a paroxetina,
a fluvoxamina, a venlafaxina ou a sertralina, sendo recomendado
o esquema da Tabela 5.2-1 1.
ISRS
|
Dose terapêutica mínima
|
Dose máxima
|
Dose final
|
Diminuir semanalmente
|
Fluoxetina
|
20 mg
|
60 mg
|
20 mg
|
10 mg
|
Fluvoxamina
|
100 mg
|
300 mg
|
25-50 mg
|
50 mg
|
Paroxetina
|
20 mg
|
60 mg
|
5-10 mg
|
10 mg
|
Sertralina
|
50 mg
|
300 mg
|
25-50 mg
|
50 mg
|
Venlafaxina
|
75 mg
|
300 mg
|
25-50 mg
|
25 mg
|
Bibliografia consultada
- VARGAS, JET. El síndrome de interrupción de los inibidores
selectivos de la recaptación de serotonina. Psiquiatria
biológica 6(4):211-220, 1998.
- MORENO, RA, MORENO DH e SOARES, MBM. Psicofarmacologia de
antidepressivos. Rev Bras Psiquiatr vol. 21, suplemento:
24-40, 1999.
- CANAS, F. Síndrome de interrupción de inibidores seletivos
da recaptação de serotonina: um nuevo problema antiguo. Psiquiatría
y Salud Integral, 1(2): 53-56, 2001.
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