Volume 8 - 2003
Editor: Giovanni Torello

 

Janeiro de 2003 - Vol.8 - Nº 1

História da Psiquiatria

Instituição da psicoterapia na medicina brasileira: 1887-1889

Dr. Fernando Portela Câmara,
psiquiatra

A psicoterapia foi introduzida e praticada no Brasil no século XIX, como em todo mundo na época, sob o rótulo de método hipnótico-sugestivo tal como preconizado por Bernheim, e na mesma época em que Freud estudava com este mestre em Nancy (França), Francisco Fajardo ensaiava o mesmo método aqui no Brasil. Este extraordinário investigador científico e observador, foi o autor da primeira obra brasileira completa sobre o hipnotismo médico, e também o primeiro a pesquisar e documentar cuidadosamente a história da introdução do magnetismo animal e do hipnotismo no Brasil. Sua obra é, pois, um documento inestimável, onde grande parte dos fatos aqui apresentados encontra sua fonte original.

Segundo Francisco de Paula Fajardo Júnior, autor da primeira obra sobre hipnose médica no Brasil (13), onde se assina como Francisco Fajardo, ela foi introduzida na corte brasileira pelo médico Érico Coelho, com três comunicações apresentada por este à Academia Imperial de Medicina em 1887 sobre a cura do beribéri. Foi à primeira vez que a palavra hipnotismo foi usada e seu uso como ato médico demonstrado, tendo a Academia aprovado esta nova forma de terapia, que passou a ser conhecida como psicoterapia. A partir daí, iniciou-se uma intensa procura pelos livros de Bernheim [4, 5] e ouros autores [1, 3, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 15, 20] sobre o hipnotismo. Escreve Fajardo: "à medida que ele [Érico Coelho] levava à Academia o resultado dos seus estudos práticos sobre hipnoterapia, foram vindo à luz da publicidade várias comunicações médicas. Animados com esse exemplo, alguns médicos fluminenses começaram a estudar e praticar a medicina sugestiva, outros se gabaram de a ter empregado há muito tempo, e assim despertou-se no público médico e entre os homens de letras, em geral, a atenção, o gosto pela leitura desses assuntos. Os livros de Bernheim, Biné e Feré, etc, etc, começaram a circular de mão em mão, e a sucederem-se as remessas de livros dessa matéria para o nosso mercado". Foi este o modo pelo qual a psicoterapia começou a ser praticada em nosso país.

Este fato suscitou também intensas polêmicas, e a propaganda ganhou o foro público quando o jornal católico carioca, O Apostolo, iniciou a publicação de artigos anatemizando a hipnose e, em especial, injuriando a pessoa do médico Érico Coelho, considerado o maior defensor da psicoterapia na Corte. Um jornal leigo de grande circulação, O Paiz, publicou artigo contestando O Apóstolo e defendendo a hipnose como forma de terapia para os males nervosos. Érico Coelho enviou uma carta de agradecimento a’O Paiz, publicada na edição de 22 de março de 1887, onde ganhou mais ainda a simpatia do público, aumentando sua clientela e fama, e pondo fim à polêmica. Eis aqui a transcrição da carta [13]:

"Amigo Sr. Redator – Acabo de saber, lendo O Paiz, numero de hoje, que tomastes o trabalho de referir-vos aos impropérios que O Apostolo se dignou despejar ontem contra mim, a pretexto de vos contestar as virtudes da medicina sugestiva. Relevai, prezado Sr. redator, que eu vos não gabe o gosto e a paciência [...] Entretanto devo dizer que vos fico muito grato, e de mais a mais obrigado me fareis, se acaso conseguirdes indagar da Santa Madre Igreja por que regra a psicoterapia ofende a moral de O Apostolo, quando é certo que o próprio Padre Eterno (no tempo em que foi moço) praticou o hipnotismo; haja exemplo a célebre ablação de costela que Adão sofreu durante o sono, tudo segundo reza o versículo, Deus enim emisit soporem in Adam... etc, etc. espero que, apoiado em autor de tão boa nota, acalmeis as iracundas susceptibilidades de O Apostolo. Caso, porém, não possais ainda assim chama-lo à razão, o melhor será deixa-lo em liberdade ...

A impor jejuns, benzer caixões, salgar crianças.
A grunhir, a ladrar sermões, missas cantadas.
E a escriturar o céu por partilhas dobradas.

Tal é o parecer de Guerra Junqueiro, ao qual se conforma este vosso amigo, venerador e criado. Rio de Janeiro, 21 de março de 1887. Érico Coelho."".

Este fato marcou a entrada triunfal da psicoterapia hipnótico-sugestiva. Seguindo Érico Coelho, a corte do Rio de Janeiro teve sua primeira geração de psicoterapeutas hipniatras nas figuras ilustres dos médicos Kossuth Vinelli, Francisco de Castro, Oliveira Aguiar, João Paulo, Henrique Baptista, Olympio Portugal, Dias da Cruz Filho, Eduardo França, Moraes Jardim, Silva Santos, Victorino Pereira, Alfredo Barcellos, Teixeira Brandão, Phillipe Jardim, Márcio Nery e outros.

Na Bahia, a novidade foi introduzida por Alexandre Maia Bittencourt, catedrático de psiquiatria, e diretor do Asilo de Alienados daquele estado [13]. Maia Bittencourt relatou os benefícios da hipnoterapia entre os alienados como sendo nulos, observando-se "apenas melhoras em poucos doentes que prestavam atenção". Isto um fato hoje bem conhecido, i. e., a psicoterapia não atua naqueles indivíduos que não são responsáveis pelas suas vivências internas (estados delirantes/alucinatórios), e, naqueles que o são (os doentes nervosos não alienados), somente entre aqueles que tem sua capacidade de atenção ou de concentração conservadas. Aqui Maia Bittencourt obteve sucessos notáveis nas variadas formas de nevralgias e em doenças nervosas sine materiae, ou seja, aquelas que hoje consideramos psicogênicas. Também na Bahia atuaram neste campo os médicos Alfredo Brito e Carlos Affonso Alves, este último autor da tese "Psicoterapia", onde apresenta o método hipnótico-sugestivo. Diferentemente do Rio de Janeiro, a hipnoterapia encontrou grande resistência na Bahia, sendo bem sucedida a propaganda que a Igreja lançava contra este método de "dominação da alma". Sobre isso, Affonso Alves deixou uma nota: "há muita repugnância na maioria da população e mesmo dos médicos em aceitar o hipnotismo como meio terapêutico de muitas enfermidades" [13].

A consolidação da psicoterapia (hipnose sugestiva) aconteceu com a publicação do livro "Hypnotismo" de Francisco Fajardo em 1889, no Rio de Janeiro, pela tipografia Laemmert, localizada então na Rua do Ouvidor. Este livro extraordinário em todos os sentidos e ainda hoje um clássico. foi a dissertação que ele apresentou, com o mesmo título, em 1888, à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro para obtenção do seu doutorado (neste mesmo ano também se doutorava, pela mesma faculdade, Peixoto de Moura, com a dissertação "Physiologia pathologica dos phenomenos hypnoticos"). O sucesso do livro de Fajardo foi de tal magnitude, que em 1896 foi ampliado e reeditado com o título "Tratado de Hipnotismo" [14].

Fajardo iniciou-se na psicoterapia hipnótico-sugestiva através de Érico Coelho e estudou todas as publicações importantes sobre o assunto em seu tempo. Seu livro cobre uma referência bibliográfica completa e atualizada, onde desfilam os nomes mais importantes da época, tais como Azam, Beaunis, Baréty, Berillon, Bernheim, Braid, Biné e Feré, Charcot, Charpignon, Cullerre, Deleuze, Fontain e Ségard, Gauthier, Grasset, Hake Tuke, Luys, Moutin, Ochoirowicz, Perronet, Philips, Richer, Sicard, Teste, De La Tourette, e outros. Fajardo revela-se também leitor de Ribot (Le Maladies de la Volonté, 1883), Mausdley (La Pathologie de l’Espirit, 1883, em tradução francesa de Germont), Binet (La Psychologie du Raisonnement, 1886) e Garofalo (La Criminologie, 1888), como muito dos que abraçavam a psiquiatria e a medicina legal na época.

Se o hipnotismo não encontrara sucesso significativo na "mania", "loucura circular" e nas "loucuras histérica e puerperal", ou seja, nos síndromes que a psiquiatria da época se ocupava exclusivamente, ele parecia, contudo, ter um bom efeito nas "idéias fixas de delírios sistemáticos", na insônia dos morfinômanos e adictos do hidrato de cloral, como meio de abreviar os "ataques histéricos e histero-epilépticos", e excelentes resultados na anorexia nervosa, somatizações, conversões, etc, condições mais comumente vistas pela neurologia (então com o nome de "neuriatria") da época. Em especial, o parto sem dor e as pequenas intervenções cirúrgicas realizadas sob anestesia hipnótica eram freqüentemente bem sucedidas. Os sucessos, relatados nas diversas áreas da clínica medica, eram promissores e autorizavam a hipnose como meio psíquico no tratamento de enfermidades não apenas nervosas como também somáticas. Na última parte do livro, Fajardo descreve a técnica terapêutica e sua numerosa documentação de casos, separando-os em tratamentos bem sucedidos e mal-sucedidos, e discutindo cada um deles.

Como ilustração do que se tratava pela psicoterapia na época, reproduzimos aqui os casos relatados por Érico Coelho e Moraes Jardim (Tabelas I e II), conforme relação transcrita por Fajardo (13).

Tabela I. Relação de casos clínicos tratados por Érico Coelho por psicoterapia hipnótico-sugestiva.

no

Caso (diagnóstico)

Resultado e método

1

Incontinência urinária + anorexia

Cura completa

2

Gagueira+histero-coréia+tique convulsivo+gastralgia

Cura por mudança de personalidade

3

epilesia

Insucesso

4

Paresia dos extensores do dedo

Melhoras

5

Paralisia lábio-glosso-faríngea

Grande melhora

6

Calpo-perineoplastia

Operada sob anestesia hipnótica. Sucesso.

7

Monomania+fobo-hidrofobia

Cura rápida

8

Lipemania religiosa

Grande melhora

9

Paraplegia post-partum

Cura

10

Insônia+neurastenia

Cura

11

Beri-beri forma mista, marcha aguda

Cura

12

Mutismo absoluto há 30 anos

Cura pela hipno-sugestão

13

Eczema das mãos+insônia

Cura em 20 dias

14

Anorexia rebelde

Cura

15

Abscesso na fossa ilíaca externa

Operada sob anestesia hipnótica. Sucesso.

16

Cistite crônica

Cura pela hipno-sugestão

17

Pseudo-torcicolo (artrite atloido-axoidea)

Melhoras

18

Lipemania

Melhoras

19

Histeria

Melhora considerável

20

Histeria

Espaçamento considerável dos ataques

21

Histero-epilepsia (caso notável)

Cura pela hipno-sugestão

22

Hipnose obstétrica

Sucesso relativo

23

Hipnose obstétrica

Sucesso relativo

24

Beriberi

Melhora

25

Fitísica+anorexia rebelde

Cura completa pela hipno-sugestão

26

Miosite reumática

Cura pela hipno-sugestão

27

Paralisia atrófica infantil

Melhoras

28

Beriberi, edema exagerado dos MMII

Melhoras

29

Beriberi, paralisia dos MMII e MMSS+falsas contraturas

Cura temporária por hipno-sugestão

30

Enxaquecas agudas

Grande melhora

31

Úlcera de estômago, epigastralgia aguda, vômitos

Cura pela sugestão verbal

32

Unha encravada

Operada sob anestesia hipnótica

Tabela II. Relação de casos clínicos tratados por Moraes Jardim por psicoterapia hipnótico-sugestiva.

no

Caso (diagnóstico)

Resultado e método

1

Ciática rebelde+dispepsia

Cura pela hipno-sugstão

2

Hipnose obstétrica

Sucesso completo

3

Hemiplegia histérica total

Cura em uma sessão

4

Epilepsia

Cura temporária

5

Insônia, dispnéia, incontinência urinária, convulsões fibrilares, ... alienação

Cura temporária dos sintomas

6

Panarício

Dilatação em hipnose. Sucesso relativo.

7

Afonia histérica

Cura em uma sessão

8

Gastro-enteralgia

Cura em uma sessão

9

Nevralgia dentária

Ablação sob anestesia hipnótica

10

Epilepsia

Cura temporária

11

Ataque histérico

Sustado pelo hipnotismo

12

Cólicas nefríticas

Sustadas pela hipnose

13

Ataques histéricos, tosse nervosa, gastro-enteralgia

Ataques sustados por hinose, demais sintomas curados

14

Nosomania+hipercinesia cardíaca

Cura

15

Vertigens+náuseas

Cura

16

Epilepsia

Cura temporária

17

Hipercinesia cardíaca

Cura em uma sessão

18

Ataque histérico

Sustado pela hipno-sugestão

19

Sudorese noturna

Cura pela hipno-sugestão

20

Espasmo respiratório em uma histérica

Cura em uma sessão

21

Dores intensas após amputação do seio

Sustadas completamente pela hipno-sugestão

22

Abatimento moral+ataques histéricos

Cura pela hipno-sugstão

23

Fortes pesadelos+sono agitado

Cura completa

24

Ciática

Cura

A psicoterapia era entendida como um método de tratamento não apenas de enfermidades nervosas mas também das enfermidades somáticas, seja produzindo alívio ou mesmo a cura. A influência entre o psíquico e o somático era bem conhecida, especialmente pela via da emoção, cuja expressão podia modificar e mesmo suspender uma função orgânica. Isto era observado comumente nas histéricas (conversões), mas também, e em menor grau, naqueles sem antecedentes histéricos. "A correlação dos fenômenos somático e psíquico, físico e mental é tão íntima, escreveu Fajardo, que pode-se dizer que o fim de um, é o começo do outro; a idéia é já o princípio de um ato". Féré realizou numerosos experimentos para mostrar como histéricas, hipnoticamente alucinadas, aumentavam significativamente a pressão dinamométrica em função das representações mentais sugeridas. Ele conclui: "Cada vez que um centro cerebral entra em ação, é todo o ser que é excitado... Não somente o cérebro, é todo o ser que pensa" [16]. Seria, portanto, esta energia nervosa que media o trânsito do psíquico para o somático e, por meio das sensações, do somático para o psíquico, assim como algumas vezes podia ser tão forte que produziria convulsões e espasmos que o indivíduo não poderia dominar, como se supunha ocorrer com as grandes crises histéricas. Vemos, assim, que de forma alguma a psicossomática foi um produto do século XX, mas um princípio que se afirmou no século XIX.

Epílogo: 1887 – 1918

Para a psiquiatria daquela época, a personalidade, definida como o "indivíduo física, moral e intelectualmente falando", podia experimentar flutuações ou mesmo alterações patológicas, reversíveis ou não. Um indivíduo distraído não é o mesmo indivíduo que momentos antes estava atento à uma conversa, e o indivíduo que age sob impulso de uma emoção forte não é o mesmo que momentos antes pensava e agia racionalmente. Assim, o nosso ser podia sofrer algum tipo de mudança em diversas épocas, idades, situações emocionais, estado de saúde, por efeito de doença ou intoxicação, etc, podendo até mesmo desdobrar-se, temporária ou permanentemente, em outra personalidade. Era nestas bases que se concebia a mente inconsciente, então identificada aos "automatismos cerebrais" e "desdobramentos da consciência" (sonambulismos e estados segundos ou personalidades alternadas), estados separados do eu ordinário por véus de amnésia, fenômenos estudados pelo hipnotismo experimental, e que afrontavam o dogma da Igreja, referendado por Tomás de Aquino, da unidade da alma e sua essência imortal. A psicodinâmica não era ainda como Freud a conceberia, senão uma inter-relação de partes do eu, coordenado por uma unidade pessoal que Ribot definira como "personalidade consciente".

O mito de que os atos inconscientes ocorrendo no sonambulismo e estados segundos, eram amnésicos para a consciência ordinária, e só rememorados quando tais estados alterados eram reproduzidos seja por crise, seja por hipnose experimental, caiu por terra com os experimentos controlados de Bernheim. Fajardo tinha pleno conhecimento destas experiências, que ele resume citando Delboeuf: "...está hoje... bem estabelecido que os sonâmbulos conservam a memória integral de suas palavras, fatos e gestos, que todos, todos sem exceção, apresentam o fenômeno da memória. Eu não formo, pois, mais sonâmbulos... Meus únicos sonâmbulos, com perda regular da memória, são os primeiros indivíduos que eu criei, quando estava persuadido de que todo o sonâmbulo esquecia regularmente seus sonhos, a menos que eles não fossem reavivados pelo meu método". Na Europa, alguns hipnotistas ensaiavam obter informações de fatos inconscientes relacionados aos sintomas de conversão, mas isto só sofreria uma significativa revisão quando Freud foi exposto ao método hipnocatártico de Joseph Breuer [10], e Pierre Janet usou experimentalmente a hipnose para investigar o estado mental das histéricas [17] e desenvolver seu método psicoterápico [18].

Se Pierre Janet foi largamente lido, traduzido e seguido no Brasil na virada do século, a hipnocatarse ou a abreação catártica sem hipnose, aparentemente não foi praticada em nosso país, ou pelo menos não aparece nos protocolos psicoterapêuticos brasileiros.

A psicoterapia hipnótica neste período, ainda sem as teorias dinâmicas e fazendo uso da sugestão, constituiu uma autêntica psicoterapia, antecipando algo do que viria se tornar psicoterapia comportamental. E ainda antes mesmo da psicanálise ser aqui introduzida, o método da persuasão, uma excelente técnica psicoterapêutica de orientação psicopedagógica introduzida pelo próprio Bernheim e desenvolvida por Dubois, foi utilizada e divulgada amplamente por um dos grandes nomes da neurologia brasileira, Antonio Austregesilo [2].

Nota biográfica sobre Francisco Fajardo

Francisco de Paula Fajardo Júnior nasceu em 8 de fevereiro de 1864 no Rio de Janeiro e formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1888, doutorando-se com a tese "Hipnotismo" (1888), doutrina psicoterápica que ajudou a ganhar credibilidade nos meios acadêmicos. Sua tese foi publicada em livro (1889) e despertou tanto interesse que, em 1896, foi ampliada e publicada sob o título "Tratado de Hipnotismo". Este pioneiro da psicoterapia no Brasil, foi também pioneiro da microbiologia brasileira e tornou-se professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro ainda jovem. Em 1892, destacou-se por seus trabalhos experimentais com o parasita da malária, tendo sido o primeiro a identificar, no Brasil, o hematozoário descrito por Laveran em 1880. Em 1893, Fajardo é eleito membro da Academia Nacional de Medicina com o trabalho "O Micróbio da Malária". Foi no pequeno laboratório que ele criou na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, que Carlos Chagas, então seu aluno na Faculdade de Medicina, iniciou-se na pesquisa sobre a malária, tema de sua tese de doutoramento. Fajardo faleceu ainda jovem, aos 42 anos, vitimado por uma contaminação acidental por soro antipestoso.

Na foto abaixo, publicada em O Malho, Rio de Janeiro, edição de 20 maio 1905, vê os cientistas de Manguinhos e membros da missão francesa do Instituto Pasteur, encarregada de acompanhar a campanha de combate à febre amarela. Sentados, da esquerda para a direita: Figueiredo de Vasconcellos, Henrique da Rocha Lima, Émile Marchoux,; Oswaldo Cruz, Paul-Louis Simond, Francisco Fajardo e Alberto Cunha.

(http://www2.prossiga.br/Ocruz/imagens/missao_francesa.html)

 

Apêndice:

Cronologia do hipnotismo na medicina brasileira [13, 14, 19].

1823 – O médico pernambucano João Lopes Cardoso Machado fala pela primeira vez do magnetismo animal sob o nome de "catalepsia espontânea", em seu "Dicionário Médico-Prático – Para Uso dos que Tratam da Saúde pública, Onde Não Há Professores de Medicina".

1832 – O Doutor Cuissart, eminente membro da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (fundada em 1829 e mais tarde Academia Imperial de Medicina), fez rejeitar mediante erudito julgamento, a tese do Dr. Leopoldo Gamard sobre o magnetismo animal, alegando uma "audácia de charlatães".

1853 – O Dr. Guilherme Henrique Briggs traduz para o português o livro do famoso magnetizador francês Barão Du Potet, com o título "Prática Elementar do Magnetismo".

1857 – O Dr. José Maurício Nunes Garcia, professor de Anatomia Descritiva da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, trata do magnetismo animal no seu trabalho "Estudos Sobre a Fotografia Fisiológica".

1861 – Nesse ano funda-se no Rio de Janeiro a Sociedade Propaganda do Magnetismo e o Júri Magnético do Rio de Janeiro, ambas dedicadas à pesquisa e tratamento através do magnetismo animal. Estas entidades são autorizadas a funcionarem desde que as práticas curativas sejam conduzidas exclusivamente por médicos. Neste mesmo ano, o Dr. Joaquim dos Remédios Monteiro apresenta a memória "Magnetismo – História" à Academia Imperial de Medicina.

1875 – Neste ano e no seguinte, o Dr. Gonzaga Filho escreve uma série de artigos sobre o magnetismo animal na seção de ciências do Diário do Rio de Janeiro, obtendo grande repercussão na Corte.

1876 – O Doutor Melo Moraes publica o trabalho "Memória Sobre o Fluido Universal ou Éter", onde, entre outras coisas, prefigura a idéia de bioeletrogênese. Neste mesmo ano Dias da Cruz, catedrático de Patologia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Ferreira de Abreu, Gama Lobo, famoso oculista, e Gonzaga Filho, pesquisam o magnetismo animal e o seu potencial terapêutico. Não se conhecia o trabalho de Braid sobre hipnotismo ainda.

1880 – A partir deste ano até por volta de 1887, médicos interessados na terapia pelo magnetismo animal começam a praticar este método. Destacam-se Calvert, na Corte do Rio de Janeiro, Lucindo Filho, em Vassouras, Moraes Jardim, em Barbacena, Sá Leite, em Poços de Caldas, Affonso Alves, na Bahia, e outros.

1884 – O Dr. Nunes Garcia apresenta seu trabalho "Memória Sobre o Magnetismo Animal" na exposição que ele inaugurou na Biblioteca da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

1887 – O Dr. Érico Coelho apresenta um caso de cura de beribéri pela hipnoterapia sugestiva à Academia Imperial de Medicina. É aqui que pela primeira vez a psicoterapia é apresentada e introduzida na medicina brasileira, marcando, segundo Fajardo, o ato inaugural deste método terapêutico. Também a palavra hipnotismo é usada pela primeira vez e sua prática aprovado pela Academia como ato médico legítimo.

1888 – Francisco de Paula Fajardo Júnior (Francisco Fajardo) é doutorado em medicina com a dissertação "Hipnotismo" (Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro). Também são doutorados Cunha Cruz com a tese "Hipnotismo e Sugestão – Sua Aplicação à Tocologia", e Peixoto de Moura, com a dissertação Fisiologia Patológica dos Fenômenos Hipnóticos". Na Bahia, Affonso Alves recebe o doutorado oela com a dissertação "Das Sugestões no Tratamento das Moléstias Psíquicas".

1889 – O Dr. Francisco Fajardo publica sua tese "Hipnotismo" sob forma de livro, obtendo grande êxito junto à classe médica. Neste mesmo ano ele apresenta, juntamente com Alfredo Barcellos, Aureliano Portugal e Érico Coelho trabalhos sobre hipnose psicoterápica no II Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia. Fajardo apresenta também casos bem sucedidos de cura de uma cegueira histérica e de uma afasia histérica na Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro. Alfredo Barcellos, Pereira das Neves e Benício Abreu atestam as curas. Este ano marca o início de um período prolífico para a psicoterapia brasileira. Dentre muitas figuras importantes, além dos citados (v. texto) no Rio de Janeiro, temos, na Bahia, além dos mencionados no texto, Coriolano Burgos, Nina Rodrigues, Matheus dos Santos, Tillemont Fontes, Aristeo de Andrade, Pinto de Carvalho, além de outros citados mais adiante. Destacou-se também o médico pernambucano Ermírio Coutinho, que apresentava suas comunicações à Sociedade Médico-Farmacêutica de Pernambuco, Edmundo César Lobão Júnior, no Maranhão, e o médico paulista Domingos Jaguaribe [v. nota no final desta cronologia].

Ainda nesse mesmo ano, os Drs. Joaquim Correia de Figueiredo e Siqueira Ramos representam o Brasil no I Congresso Internacional de Hipnose Clínica e Terapêutica (8-12 de outubro), em Paris, presidido por Charcot.

1891 – Alfredo Ferreira de Magalhães recebe o doutorado em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia com dissertação "O Hipnotismo e a Sugestão – Aplicações Clínicas".

1892 – José Alves Pereira recebe o doutorado em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia com a dissertação "Das Sugstões no Tratamento das Moléstias Psíquicas".

1895 – O Dr. José Alcântara Machado apresenta dissertação sobre hipnotismo ("Ensino Médico-Legal") para a vaga de lente substituo na cadeira de Medicina Legal e Higiene Pública da Faculdade de Direito de São Paulo.

1896 – O Livro de Fajardo é publicado em segunda edição ampliada e atualizada com o título "Tratado de Hipnotismo". A obra é considerada de excelência, e Fajardo é saudado pelos mestres da hipnose européia: Liègeois, Charles Richet, Hack Tuke, Azam, Delbouef, Brouardel, Féré, Dujardin-Beaumetz, Babinski, Bourru, Cullerre, Fontan, Ségard e Belfiore.

1900 –Augusto Ribeiro da Silva é doutorado em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia com a dissertação "O Hipnotismo Sob o Ponto de Vista Médico-Legal".

1912 – Dionísio A. C. Magalhães Júnior é doutorado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro com a dissertação "Da Terapêutica Sugestiva".

1916 – Carlos de Negreiros Guimarães é doutorado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro com a dissertação "Do Conceito Moderno do Hipnotismo em Medicina".

1919 – Medeiros e Albuquerque, um leigo ilustrado, aprende hipnotismo em Paris e publica no Brasil um livro que também seria famoso, "O Hipnotismo", prefaciado pelos eminentes médicos Miguel Couto e Juliano Moreira. Com esta publicação encerra-se a fase áurea do hipnotismo como psicoterapia no Brasil. Outros métodos começam a chegar por aqui, incluindo a psicanálise.

Nota sobre Domingos Jaguaribe:

O paulista Domingos José Nogueira Jaguaribe formou-se médico pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, especializando-se em Botânica Médica. Após doutorar-se, viajou para Paris onde estudou e praticou, tendo, inclusive, tratado o famoso escritor Marcel Proust de sua asma, prescrevendo-lhe inalação de essências da flora brasileira. Em Paris, freqüentou as aulas de Charcot sobre hipnotismo e histeria na Salpétrière, e aprendeu o método Perkins, o qual foi seu introdutor entre nós. Retornando a São Paulo em 1890, fundou uma sucursal do Instituto de Psicofisiologia de Paris, onde usou a técnica hipnótica como tratamento em sua clínica. Isto lhe trouxe muita fama e clientes, levando-o a criar o Instituto Jaguaribe. Aí ele usou a hipnoterapia e a fisioterapia no tratamento do alcoolismo, conseguindo sucesso em 840 pacientes, fazendo-os abandonarem o "vício" e retornarem ao convívio social. Seu método e resultados foram apresentados no VI Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia. Domingos Jaguaribe foi o único brasileiro a se tornar sócio efetivo da famosa Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres.

Referências bibliográficas:

  1. Azam, E. Hypnotisme, Double Conscience et Altérations de la Personalité, Ed. J.B. Baillierè Et Fils, Paris, 1887.
  2. Austregesilo, A. A Cura dos Nervosos, Jacinto R. Santos Ed., Rio de Janeiro, 1922 (5a edição).
  3. Beaunis, H. Le Somnambulisme Provoqué. Ed. J.B. Baillierè Et Fils, Paris, 1887.
  4. Bernheim, H. M. De la Suggestion et de ses Applications a la Therapeutique. Ed. Albin Michel, Paris, 1888.
  5. Bernheim, H. M. Hypnotisme, Suggestion, Psychotherapie. Ed. Octave Doin, Paris, 1891.
  6. Binet, A. & Ferré. Le Magnetisme Animal. Ed. Félix Alcan, Paris, 1887.
  7. Binet, A. La Suggestibilité. Ed. Schleicher Frères, , Paris, 1900.
  8. Binet, A. Les Alterations de la Personnalité. Ed. Félix Alcan, Paris, 1912.
  9. Bonjean, A. L'Hypnotisme. Félix Alcan, Paris, 1890.
  10. Breuer, J. & Freud, S. On the Psychical Mechanism of Hysterical Phenomena: Preliminary Communicxation (1893). In: Studies On Hysteria, The Pelican Freud Lib., Penguin Books, N. Y., 3: 53-63, 1974.
  11. Charcot, J. M. Métalloscopie, Métallothérapie, Hypnotisme. In: Oevres Complètes de J. M. Charcot. Lecrosnier et Babé Ed., Paris, vol. 9, parte 2, pp. 213-480, 1890.
  12. Charcot, J. M. Sur les Divers États Nerveux Déterminés par L’Hypnotization chez les Hystériques. Comp. Rendus Hebd. Academie des Sciences, 44: 403-405, 1892.
  13. Fajardo, F. Hypnotismo. Typ. Laemmert & C., Rio de Janeiro, 1889.
  14. Fajardo, F. Tratado de Hypnotismo. Typ. Laemmert & C., Rio de Janeiro, 1896.
  15. Faria (Abbé de Faria). De La Cause du Sommeil Lucide ou Étude de la Nature de L’homme. Hoirac, Paris, 1819.
  16. Féré, C. Sensation et Mouvement – Études Experimentales de Psycho-Mécanique, Ed. Félix Alcan, Paris, 1887.
  17. Janet, P. L’État Mental des Hystériques. Rueff Ed., Paris, 1894.
  18. Janet, P. Principles of Psychoterapy. Macmillan Press, Londres, 1925.
  19. Monteiro, A.R.C. A História da Hipnose no Brasil, Rev. Bras. Hipnose, 5: 4-22, 1984.
  20. Richer, P. Études Cliniques sur L’hystéro-épilepsie ou Grand Hystérie. Delahaye & Lecrosnier, Paris, 1881.

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