Volume 6 - 2001 Editor: Giovanni Torello |
Agosto de 2001 - Vol.6 - Nº 8 Artigo do mês Capacidade de Mantuenção de Autonomia
Prof.
Dra. Márcia Gonçalves O pensar sobre a questão autonomia e paternalismo em ética médica pode enveredar por centenas de atalhos que abarcam desde razões conjeturais que envolvem diferentes culturas e instituições , bem como momentos filosóficos e históricos , que muitas vezes deságuam em conceitos tendenciosos. Para Cláudio Cohen , autonomia e paternalismo são um pendulo e existe a necessidade de modulação de atitudes paternalistas e autônomas , já que a ação autônoma inclui a noção de auto-governo, liberdade de direitos , escolha da ação e agir com o desejo. Autos – próprio / nomia regra, governo). A tentativa de síntese de algumas tendências de pensamento que esbarram nos conceitos éticos mais proeminentes como principialismo (Kant) ou utilitarismo (Stuart Mill), e as derivadas mais evidentes (autonomia e paternalismo ou heteronomia), quando voltadas para pacientes com patologias graves ( câncer , aids e outras), tendem a se tornarem uma discussão interminável, sem prerrogativas pragmáticas para o estabelecimento de ações objetivas. Kant usa o termo autonomia para designar independência de vontade de todo o desejo. Abrindo a dicotomia, paternalismo e autonomia poderemos observar que uma terceira via pode ser viável. Nesta terceira vertente se abre um questionamento sobre a responsabilidade e o direito de escolha , Naturalmente a autonomia é um direito , e uma limitação "protecionista" também o é, quando se observa os direitos dos outros. OS valores que delineiam estas posições , onde valores são crenças duradouras , ou modelos de conduta ou estado de existência (Roceach-1973), são absorvidos pela trincheira dos conceitos sobre moral e ética.; A ética , sendo incorporada por um indivíduo e desenvolvida pelo crescimento e a moral associada aos valores de uma sociedade como um todo. Kolberg (63) nos diz que o estagio mais avançado da ética é aquele em que o sujeito leva em conta a igualdade dos direitos humanos, bem como o respeito à dignidade dos seres humanos como pessoas individuais. Este estágio se baseia em :
Se em uma margem temos a autonomia, e do outro a responsabilidade a ponte teremos que erguer para atravessar será o da condição física e psíquica, e a manutenção desta condição para o exercício de seu direito. A princípio poderia parecer uma área conflituosa, já que um paciente que apresente uma patologia que tem como conseqüência a debilidade ou a mutilação , teria um desajustamento em suas condições emocionais e cognitivas devido ao impacto do diagnóstico e da rapidez que muitos tratamentos exigem. Inúmeros trabalhos da literatura mostram a significância desta afirmação. Transtornos de toda ordem como depressão, ansiedade, stress pós-traumático são os mais comuns . O sujeito que vai ser submetido à uma tratamento mutilante ,deveria estar, antes de mais nada de posse de uma atenção adequada no que tange à sua saúde mental .As tomadas de decisão e a responsabilidade da escolha do tratamento deveria ser estruturada com base ao respeito ao Sujeito que inegavelmente necessita do melhor equilíbrio possível de suas condições afetivo- emocionais. Pacientes que sofrem de alterações que podem levar a uma deterioração de sua condição de bem viver, e abrindo-se um parênteses no qual temos a consciência que o conceito de bem viver pode conter equívocos, tendo em vista a complexa rede da relatividade individual , e levando em conta que a báscula existência- sofrimento pode ser avaliada sob os mais diversos posicionamentos filosóficos. Responsabilidade e escolha estão intimamente ligadas à consciência e capacidade de tomada de decisão. O conceito de autonomia ampliado à noção de direito de escolha e de livre arbítrio tem raízes na história da cultura grega ( polis- cidades autárquicas não submetidas a um poder ) e vai se estendendo ao pensamento de filósofos como Kant que preconiza o racionalismo ético onde a autonomia estabelece o contraponto entre a vontade boa ( das gute wille) e da vontade má ( das böse wille). Nitche rompe com os atrativos da "boa vontade" alegando que os princípios morais racionais são esculpidos sobre a base de motivações irracionais , e que muitas vezes a vontade de poder está sedimentada nesta mesma boa vontade, e na sombra encontra-se o mais das vezes o ressentimento da frustração da perda do poder. O autor incorpora a instituição religiosa neste contexto. Este pensamento se alinha com o pensamento de , onde a dicotomia autonomia /paternalismo sob o enfoque principialista , ou melhor onde se preconiza que os princípios não devem ser absolutos, contextualizados e nenhuma hierarquia dever ser estabelecida a priori. Nietsche não mais conserva o aspecto voluntarista da concepção racionalista de Kant, mas já lança luzes para o futuro caminho de Freud e a teoria do inconsciente. O sentimento ético para Freud constitui a elaboração da onipotência da pulsão , do narcisismo infantil original e na formação do ideal do ego. Para Stuart Mill ( 1859) temos no ON liberty que a limitação da autonomia pessoal é razoável, desde que esteja em jogo a autonomia de terceiros . Este pensamento corresponde ao pensamento utilitarista. Sartre ( o ser e o nada), já assume o termo liberdade para as atitudes responsáveis e responsabilidade é totalmente destituída de condescendência, ou seja, os sujeitos são totalmente responsáveis por seus atos e escolhas. A partir de 60 o estruturalismo dissolve o "sujeito " autônomo em prol da primazia da estrutura e dos sistemas de relações. (Alsthusser). E esta estrutura é o para ao autor o patamar da ordem . De uma maneira distinta de Freud , mas também profunda, Bérgson viu que a memória era uma função do futuro , que a memória e a vontade eram tão só uma mesma função, e que somente um ser capaz de memória podia desvia-se do seu passado, desviar-se dele, não repeti-lo, fazer o novo. A novidade para Bérgson tem importância vital em sua teoria de futuro e da liberdade . O nome de Bergson está ligado à noção e duração, memória, impulso, vital e intuição. O respeito ao sujeito para Bérgson atinge a verificação dos falsos e dos verdadeiros problemas. A duração e a intuição são os componentes principais do método que inclui a verdadeira constituição de dois mundos ... um sensível e um inteligível. Para o autor a intuição não é simplesmente um gozo, nem um pressentimento, nem um procedimento afetivo, mas um método de determinação do ser... o ser para o autor esta do lado da diferença, nem uno e nem múltiplo.. o ser é alteração , a alteração é substância ( contrapondo a alteridade de Platão para a alteração de Aristóteles.). A intuição é o método que busca a diferença, ela se apresenta como buscando e encontrando as diferenças da natureza , as articulações do real. O ser é articulado. ; um falso problema é aquele que não respeita as diferenças. Partindo desta premissa a discussão sobre o desenvolvimento das vertentes filosóficas sobre a constituição do sujeito e do processo de autonomia em que ele esta submetido passa por Delleuzze com as teorias de campos e imanência e Lacan pressupõe uma rede de significantes que estruturam a linguagem molduradas pelo inconsciente , Esta rede aprisiona o que ele chama de "sujeito do inconsciente". A decodificação dos sintomas observados em um processo analítico devolvem ao sujeito a capacidade de criação. Tocando a partir daqui na palavra capacidade ( capere-que contem, que compreende), de um sujeito que tem o direito de escolha podemos inferir que estas escolhas terão conseqüências que se estendem além da própria existência deste sujeito (direito da terceira pessoa). A capacidade de escolha pressupõe o aprofundamento das discussões acima apresentadas. Observando do foco que diz respeito ao direito do profissional e do direito do paciente caímos nas contradições próprias que dizem respeito à ignorância. Sobre os tratamentos e a inconsistência dos prognósticos . Apesar da tentativa de se estabelecer o consentimento informado , temos que levar em conta que outros determinantes não atendem ao que podemos chamar de um sujeito apto para esta tomada de decisão. A criação de instrumentos e/ou práticas de atenção que possam avaliar a capacidade do sujeito em poder optar e manter o seu direito de escolha, assumindo a responsabilidade de sua escolha é o objetivo de todo trabalho que se propõe a pensar a ética médica Esta avaliação, longe de ser um viés para manipulação de instituições ou de interesses jurídicos deve ser rigidamente associada à relação medico paciente. Todo trabalho que envolva ética médica insinua uma metodologia que visa observar o crescimento emocional e as dificuldades interpessoais dos pacientes para uma avaliação apropriada de sua condição mental. A proposta consiste em se realizar um estudo das técnicas de avaliação psicológicas, e psicoterápicas, selecionando pontos de convergência entre elas onde coexistam o estabelecimento da autonomia e do respeito a terceiros. A delimitação deste "espaço" visa um pragmatização do respeito aos direitos e da autonomia do sujeito que vai ser submetido a um tratamento que envolva mutilações e ou perda de funções.
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