Fevereiro de 2020 – Vol. 25 – Nº 2

Luciane Castiglioni e Gerardo Maria de Araújo Filho

 

RESUMO

 

Introdução. O presente estudo procurou caracterizar a relação
entre a existência de transtornos mentais e o crime, haja vista os altos
índices de criminalidade que assolam a sociedade brasileira, destacando o país
entre os mais violentos do mundo. Objetivos.
Analisar quantitativamente o sistema carcerário e de custódia no Brasil, com
foco na unidade do HCTP II de Franco da Rocha, onde foi descrito o perfil
dessas populações e a caracterização de políticas públicas voltadas para a
reinserção dos internos em sociedade. Metodologia.
Foram utilizados métodos científicos de natureza quantitativa -descritiva,
dados primários e secundários, revisão bibliográfica pertinente ao tema,
análise documental e tratamento estatístico dos dados. Resultados. Evidenciamos que o fenômeno crime ocorre independente
de questões patológicas, diferentemente de como a própria sociedade brasileira
julga em senso comum a questão dos delitos. Em pleno século XXI prevalece o
pensamento de que os criminosos possuem algum tipo de transtorno metal, dada a
influência das escolas positivistas do ordenamento jurídico na sociedade
brasileira, onde na atualidade as proposições lombrosianas não mais se aplicam.
As estatísticas apuradas na pesquisa demonstraram que a proporção de detentos
sem transtorno mental corresponde a 99,59% (607.731 pessoas) e as com
transtorno mental 0,41% (2.500 pessoas) no recorte temporal proposto (ano de
2015). A tratativa dessas populações também ocorreu de forma distinta, pois ao
analisarmos a reincidência nesses grupos, enquanto na população carcerária
chegou até 80%, entre os portadores de transtornos mentais, cujo índice foi de
59%. Isto porque, a diferença entre um detento e um interno/paciente, em um
primeiro momento, se deu por questões dos acompanhamentos médicos e das
medicações recebidas, assim como, a posteriori, aos trabalhos dos Centros de
Apoio voltados a eles. Conclusões.
Fatores de ordem social, prisional, econômica, assistencial, educacional e até
política são os que mais impactam diretamente a criminalidade, e não as
possíveis patologias que uma pessoa possa desenvolver, ficando assim tais
transtornos longe de serem os fatores determinantes da criminalidade na
sociedade brasileira. No tocante à efetividade e existência de políticas
públicas voltadas aos tratamentos alternativos em saúde mental para a
reinserção dos internos em sociedade tivemos avanços importantes, tais como a
Lei 10.216 de 2001, expansão dos CAPS, criação do Programa Nacional de
Avaliação dos Serviços de Saúde e do protocolo de Manejo em Saúde Mental em
2014), porém não suficientes, seguidos de recentes retrocessos (cortes
substanciais orçamentários para o setor). Acreditamos que somente através da
existência de estudos sistemáticos acerca do tema é que se torne possível
promover ações positivas efetivas voltadas para a saúde mental no Brasil, pois
reacender constantemente as discussões em torno da questão não deixam cair no
esquecimento tal problemática perante as autoridades competentes.

 

Palavras-chave:
1. Psiquiatria forense; 2. Transtornos mentais; 3.
Direito
penal; 4. Criminalidade. 5. Sistema penitenciário e custódia.

 

 

 

ABSTRACT

Introduction. This study aimed to
characterize the relation between mental disorders and criminality, considering
the high crime rates that strike Brazilian society and rank the country among
the most violent in the world. Objectives.
To quantitatively analyze the custody and prison system in Brazil, especially
the Psychiatric Treatment and Custody Hospital (HCTP) of Franco da Rocha, whose
populations’ profile is herein described, as well as the characteristics of
public policies to reintegrate mentally-ill imprisonments into society. Methodology. This study was based on
scientific methods of quantitative-descriptive nature, primary and secondary
data, bibliographical review, document analysis and statistical treatment of
data. Results. We have found that
the crime phenomenon occurs regardless some disorders issues, which differs
from how the common sense of Brazilian society judges this subject.  Currently on the 21st century the thought
that criminals have some sort of mental disorder still prevails, due to the
influence of the legal positivist schools in Brazilian society, which no longer
apply Lombrosian theories. The statistics in this research demonstrated that
the percentage of imprisonments  with no
mental disorder is 99.59% (607,731 people) while mentally-ill
imprisonments  are 0.41% (2,500) in the
analyzed time frame (the year of 2015). The way these populations are treated
is also different; recidivism among the prison population  can reach up to 80%, while it is 59% among
those with mental disorders. This is because the difference between a prisoner
and a patient, at first, is determined by the medical treatment and medicine
administered, and, later on, by the work of the Support Centers (Centros de
Apoio) for them. Conclusions. The
problems of social, economic, educational and political nature, as well as
prison and welfare issues are those that directly impact criminality, rather
than the possible disorders that one person may develop; thus, mental disorders
are far from being the determining factors of criminality in Brazilian society.
About public policies and their effectiveness for alternative treatments in
mental hearth to reintegrate mentally-ill imprisonments  into society, there have been important
advances (Law 10.216 of 2001, the expansion of Psychosocial Care Centers
(CAPS), the creation of the National Program for the Assessment of Healthcare
Services (Programa Nacional de Avaliação dos Serviços de Saúde), and the Mental
Health Handling Protocol (Protocolo de Manejo em Saúde Mental) in 2014, even
though these are not enough. In addition, there have been setbacks, such as
substantial budgetary cuts for that sector. We believe that only through
systematic studies on this theme, it is possible to improve positive effective actions
for mental health in Brazil, since bringing up the discussion about this
problem will prevent it from being forgotten by the competent authorities.

 

Key words: 1. Forensic psychiatry; 2. Mental
disorders; 3.
Criminal
law; 4. Criminality. 5. Custody and prison system.

 

 

 

 

 

 

 

 

              O presente artigo é o resultado de
uma pesquisa realizada ao longo de 05 anos (2015 a 2019), como proposta de
obtenção do título de Doutor na área Medicina e Sociedade, área de concentração
em Psiquiatria Forense da FAMERP (Faculdade de Medicina de São José do Rio
Preto – SP). Destacamos que não houve conflito de interesses, pois não houve
qualquer tipo de financiamento público ou privado e também não foi necessário o
TCLE 9Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), uma vez que foram analisados
os prontuários dos internos do HCTP II de Franco da Rocha e também dados do
INFOPEN (Informações Penitenciárias, censo de 2015).

              O tamanho de nossa amostra foi a
totalidade dos internos de Franco da Rocha (n =362 internos), o equivalente a
14,48% do total de internos no Brasil (n =2.500 internos, aproximadamente),
comparadas aos presos do sistema carcerário brasileiro, ou seja, indivíduos sem
transtorno mental corresponde a 99,59% (607.731 pessoas)

              A primeira análise tratou de
diferenciar as pessoas internas do HCTP II de Franco da Rocha quanto à forma de
chegada ao local: internos em Medida de Segurança (MS) por conversão de pena e
internos em MS, sendo a primeira situação daqueles que ao cometerem crimes são “absolvidos”
dos mesmos, devido a questão da inimputabilidade penal (absolvição imprópria –
conversão da pena em MS) e a segunda situação daqueles que são internados de
forma compulsória, sem necessariamente ter cometido delitos em espécie,
situação que a própria lei possibilita à autoridade policial instaurar
inquérito policial para apurar apenas a periculosidade do indivíduo, e a partir
daí a internação compulsória.

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              Quanto a questão de gênero dos
internos, tivemos a prevalência do sexo masculino, e em comparação com os
indivíduos do sistema carcerário brasileiro, a tendência se manteve, pois o
contingente masculino de presos foi cerca de 14,5 vezes maior que o contingente
feminino (Vide quadros na sequência).

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              Já no tocante à faixa etária, no
sistema prisional os jovens-jovens (18 a 24 anos), somados aos jovens adultos
(25 a 29 anos), atingiu o patamar de 56%. No HCTP II de Franco da Rocha, a
concentração dos internos se deu nas faixas etárias de 30 a 44 anos, sendo de
35 a 39 anos a maior frequência (21%), de acordo com as ilustrações sequenciais.
Observa-se tamanho diminuído do quadro para ajuste à página.

 

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              Nota-se que a construção de um
quadro comparativo total entre as concentrações das faixas etárias de ambas as
populações em análise (HCTP x População Prisional), ficou comprometido em sua
totalidade, pois os intervalos de idade em que ambos foram catalogados eram
distintos entre si, não possibilitando assim uma visão exata quanto a tais
intervalos. Em virtude dessa situação foi construído um quadro comparativo parcial.

              Diferentemente da população
carcerária, onde dois em cada três presos eram negros (67%), no HCTP II de
Franco da Rocha a maioria dos internos não eram negros ou pardos, e sim
brancos.

              Não foi construído aqui um quadro
comparativo entre ambas populações pelo fato do censo penitenciário em análise
(2015) não ter diferenciado a categoria cor da pele em parda e negra,
comprometendo também a interpretação desses dados. Dessa forma, optou-se em não
apresentar um quadro comparativo parcial.

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              Em relação ao estado civil, houve
a prevalência dos solteiros em ambas as situações (presos x internos), onde foi
de cerca de 57% no sistema carcerário e 84% no grupo do indivíduos acometidos
por transtornos mentais.

 

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              Quanto ao grau de escolaridade, o
resultado segue abaixo:

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              Na construção do comparativo na
categoria grau de escolaridade os números de ambas populações se demonstraram similares,
sobretudo os registrados como analfabetos e alfabetizados sem cursos regulares –
quase analfabeto, pois apenas assinam os nomes, mas não sabem ler, escrever e
compreender, assim como muitos analfabetos – até a categoria ensino fundamental
completo.

 

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              Uma vez mapeada tais populações,
sob os critérios sociodemográficos, até para se ter um panorama de tais
substratos de nossa sociedade, as questões ligadas à Criminologia e à
Psiquiatria Forense, de fato, foram focadas com objetivo de, doravante,
respondermos às questões propostas com a presente pesquisa. Isto posto, a
sequência de dados demonstrados abaixo versaram sobre o que chamamos de segunda
etapa de coleta de dados em campo: elementos de natureza patológica e
criminológica.

              As categorias criminais mapeadas
em Franco da Rocha apresentaram uma soma acima do número total de internos
(362), devido a possibilidade de uma única pessoa incorrer em mais de uma
capitulação criminal.

              Ao analisar as estatísticas, as
maiores prevalências foram para as categorias criminais dos crimes conta a vida
(em especial os homicídios), dos crimes contra o patrimônio, (destaque para
furtos e roubos) e dos crimes contra a dignidade sexual (estupros),
diferindo-se do sistema carcerário apenas no crime de tráfico de drogas, cuja
prevalência foi campeã em números.

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              Pensamento corrente em nossa
sociedade, as pessoas acreditam que aqueles que são portadores de transtornos
mentais geralmente cometem o crime em ambiente familiar, mas o levantamento na
unidade de Franco da Rocha mostrou que 78% dos delitos ocorreram da forma “outdoor”.

 

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              Dado polêmico em nosso país é o
elemento reincidência, onde, independentemente da tipologia que se adote,
conforme dito anteriormente, é um fator preocupante, pois vai impactar
diretamente nos índices de criminalidade e nas possibilidades de se ter
políticas públicas e demais ações positivas dos Estados para regular a questão
criminal.

              No sistema carcerário comum, como
vimos, os índices apurados no Brasil gravitaram entre o intervalo de 70% a 80%,
e mesmo assim, a dificuldade em se apurar tal índice é imensa, pois causa um
impacto extremamente negativo para a imagem do país, afastando os investimentos
econômicos, a credulidade das pessoas nas instituições que zelam pela segurança
e aumentando assim a sensação de impunidade e insegurança social, gerando além
de um mal estar generalizado, um medo constante.

              Quando medida entre os indivíduos
que de certa forma são controlados e recebem um acompanhamentos mais diretos do
Estado (medicação, acompanhamento médico), como é o caso dos pacientes dos
HCTP´S, o índice é sensivelmente menor, pois de acordo om o que foi pesquisado,
esse patamar foi de 59%. Contudo, quando esses indivíduos retornam ao meio
social e não são mais acompanhados e ou acolhidos por alguma instituição,
inclusive a família, tornam a reincidir, mas ainda, em menor grau do que em
comparação com aqueles que não possuem transtornos mentais.

 

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              Quanto ao tempo de permanência dos
internos, as maiores concentrações ocorreram entre as faixas de 01 a 10 anos,
conforme ilustrado na sequência.

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AS  PATOLOGIAS

 

              Em relação à questão das
patologias esperadas nos levantamentos aqui realizados, como implicações
forenses das doenças mentais capazes de interferir na responsabilidade penal de
um indivíduo, e por conseguinte, em sua inimputabilidade, foi um dos pontos centrais
do trabalho, pois vem despertando cada vez mais interesse de estudos no campo
da Psiquiatria Geral e Forense e no campo do Direito e da Criminologia.

              De acordo com Mynen (2013, p.
93-99), considera-se que os comportamentos transgressores são frutos de fatores
genotípicos (individuais) e fenotípicos (ambientais), que englobam desde a
presença de morbidade e adesão aos tratamentos, até a disponibilidade e
qualidade de tratamento psiquiátrico, suporte social e segurança pública e
dessa forma os transtornos mentais passam a ser visto como um facilitador do
comportamento criminoso, mas não, por si só, um agente gerador.

              Assim sendo, continuou Mynen (2013):
cada caso deve ser meticulosamente estudado, em razão da grande variabilidade
clínica encontrada nos transtornos mentais, acompanhados de maior ou menor grau
de comprometimento das funções mentais, podendo ou não influenciar a prática
criminosa e atuar como modificadores da responsabilidade penal. No entanto,
somente a concomitância de prejuízos nas capacidades intelectivas e volitivas
possuem a possibilidade de gerar a inimputabilidade.

              Guido Palomba (2003), ressaltou em
seus estudos que não basta ser portador de transtornos mentais ou diretamente
falando, portador de uma doença com tradições médico-legal, como por exemplo, a
epilepsia, mas deve haver nexo causal entre patologia e delito. Não basta ser,
por exemplo, epilético, para obrigatoriamente haver implicação na capacidade de
entendimento do caráter criminoso do fato e na capacidade de determinação de
acordo com esse entendimento.

              No HCTP II de Franco da Rocha, foram
catalogadas nove (09) categorias patológicas, sendo que nos casos de
prontuários incompletos ou inelegíveis, e até passíveis de interpretações
distintas, tais casos foram enquadrados nas categorias “Outros” e “Sem
Informação”.

              A somatória total de tais
categorias patológicas ultrapassaram o número total de internos por razão de
que um mesmo indivíduo pode ser portador de mais de um transtorno mental. Assim
sendo, as patologias mais expressivas nesse universo analisado foram os
transtornos mentais devido ao uso de drogas, retardo mental, esquizofrenia e
transtornos mentais devido ao uso de álcool (Quadro 11).

              Ainda em análise das questões
concernentes às patologias, verificou-se que cerca de 67% dos internos
apresentavam diagnósticos de transtornos mentais anteriores aos crimes
cometidos por esses indivíduos e 51% apresentavam sentença para desinternação.

 

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              Em âmbito nacional, ao
contrapormos a população carcerária brasileira com a população mantida em
custódia nos HCT´s no ano de 2015, tivemos 607.731 indivíduos no sistema
carcerário, contra, em média, 2.500 indivíduos em custódia, o equivalente de
0,4% do total das pessoas privadas de liberdade no país.

              Finalmente, de acordo com o
Ministério da Justiça (2015), o Brasil possuía 23 hospitais de custódia e
tratamento psiquiátrico no Brasil e três alas dentro de sistemas carcerários
para atender pessoas que cumpriam medidas de segurança e tratamento compulsório
imposto a portadores de transtornos mentais que cometeram crimes, sendo naquela
época distribuídos da seguinte forma: Sudeste totalizando 38% dos
estabelecimentos, seguido por Nordeste, com 31%. Na região Sul havia 12%, mesmo
índice do Norte. O Centro-Oeste aparecia com apenas 8% dos estabelecimentos.

              Tais informações foram de extrema
relevância, dentre as outras aqui levantadas, para que fosse respondida a
questão central da pesquisa: a relação da criminalidade com os transtornos
mentais.

              Assim sendo, o fechamento de tais
proposições estão evidenciados no próximo item.

CONCLUSÕES

              O presente trabalho tratou da
relação dos transtornos mentais na criminalidade da sociedade brasileira, onde
buscou-se demonstrar que o fenômeno crime ocorre independentemente de questões
patológicas, diferentemente de como a própria sociedade brasileira julga em
senso comum a questão dos delitos, e ainda em pleno século XXI prevalece o
pensamento de que os criminosos possuem algum tipo de transtorno metal, pois
acreditam que um “ser humano” não seja capaz de  cometer crimes se assim não for, sobretudo os
crimes considerados hediondos e bárbaros.

              Desmistificando tal proposição, os
transtornos mentais NÃO se
relacionam diretamente com a criminalidade (a considerar ainda o animus
necandi
), haja
vista que a proporção de detentos sem transtorno mental corresponde a 99,59% (607.731
pessoas) e as com transtorno mental apenas 0,41% (2.500 pessoas)

              Por conseguinte, a reincidência
nesses grupos ocorreu de forma distinta: na população carcerária chegou até
80%, e entre os portadores de transtornos mentais esse índice foi de 59%

              De acordo com nossos estudos, essa
diferença se deu pelas questões dos acompanhamentos médicos e das medicações
recebidas pelos pacientes, assim como, a
posteriori
, dos trabalho dos Centros de Atenção voltados a eles, apesar de
não serem suficientes

              Já na população prisional
clássica, o número de políticas públicas são diminutas e quase inexistentes em
relação ao acompanhamento e reinserção dos detentos em sociedade, além das condições
precárias e subumanas da grande maioria dos presídios brasileiros, um
verdadeiro descaso e desamparo dos sucessivos governos. Os atuais presídios são
os Manicômios Judiciários de amanhã.

              Com isso, postulamos aqui que os
problemas de natureza jurídica e judiciária (legislações arcaicas, falta de
estrutura e saturação prisional, etc.), social, econômica, assistencial e educacional
são os que impactam diretamente a criminalidade, e não as possíveis patologias
que uma pessoa possa desenvolver, ficando os transtornos mentais longe de serem
os fatores determinantes da criminalidade na sociedade brasileira.

              Outro fator que notamos durante o
desenvolvimento desse estudo foi a influência de questões de ordem política, no
tocante a determinadas categorias criminais (crimes do colarinho branco e
corrupção).

              Quando o agente delitivo gravita
em mundos sociais distintos (políticos profissionais, empresários,
empreiteiros, banqueiros, autoridades  e
ex autoridades em geral), a tratativa para com esses indivíduos ainda é diferenciada
(agendamento de horário e transporte VIP
para entregar-se à justiça já foi admitido em solo brasileiro, como também o
cumprimento de pena em sala adaptada, e não cela convencional), tendo inclusive
dificuldade e trabalho redobrado para se fazer aplicar a lei, chegando ao ponto
de deslegitimar, a qualquer custo, autoridades punitivas envolvidas (juízes,
procuradores, etc.), com a intenção de absolver ou soltar tais réus e torná-los
mártires. É um vale tudo em sentido amplo.

              Aliás,
as questões patológicas passam longe, principalmente na categoria “crimes de
corrupção”, onde o discernimento do agente é fundamental para tal prática
delitiva, pois requer conhecimento especializado e planejamento estratégico
para seus cometimentos.

              Nesse diapasão, as teorias da
escola criminológica positivista (maior influência no ordenamento jurídico
brasileiro), onde prevalece a teoria lombrosiana de que todo criminoso é nato e
as suas características fisionômicas assim o demonstram, não se aplica em nossa
sociedade atual.

              Quanto ao tocante da efetividade e
existência das políticas públicas efetivas e dos tratamentos alternativos em
saúde mental para a reinserção dos internos em sociedade tivemos avanços
importantes (Lei 10.216 de 2001, expansão dos CAPS, criação do Programa
Nacional de Avaliação dos Serviços de Saúde e do protocolo de Manejo em Saúde
Mental em 2014), seguidos de retrocessos. O Ministério da Saúde promoveu cortes
severos dos recursos destinados às unidades de CAPS, Serviços Residenciais Terapêuticos,
Unidades de Acolhimento e Leitos de Saúde Mental em Hospitais Gerais.

              Na data de 16/11/2018 foi
publicado no Diário Oficial da União, o corte do repasse de R$ 78 milhões, que
seriam destinados ao atendimento à saúde mental em 22 estados e no Distrito Federal.
De acordo com o Ministério da Saúde, a verba foi suspensa por ausência de
registros de procedimentos nos sistemas de informação no SUS.

              Finalmente, quanto à tratativa de
um doente mental que comete crime, o crivo jurídico está acima do médico, em um
primeiro momento, pois somente a partir do devido processo legal efetivado e no
curso deste a evidência de doença mental se estabelecer é que o indivíduo passa
a ser considerado portador de transtorno metal e daí então define-se o grau de
sua inimputabilidade, conduzindo-o assim para um HCTP.

              No HCTP, diferentemente do sistema
prisional (pena determinada), o tempo que este indivíduo irá permanecer é
incerto. Entendemos que esta condição do ordenamento jurídico pode levar, por
exemplo, uma pessoa a permanecer “Ad
aeternum
” nesta condição.

              Nesse ínterim, destacamos também como
as políticas públicas acerca da temática são realizadas no Brasil, sendo estas
insuficientes, e propomos aqui as seguintes formulações de ações positivas: a) criação
da função específica de Psiquiatra
Forense
junto ao Poder Judiciário
para avaliar a condição mental dos acusados/indiciados e assim conduzi-los
assertivamente e de forma célere a um HCTP, evitando-se que tal indivíduo
permaneça em longa espera de diagnóstico mental permanecendo, muitas vezes, em
presídios pela ausência de tal diagnóstico; b) capacitação dos profissionais
operadores da lei
(juízes, promotores, defensores públicos, delegados de
polícia, policiais federais, civis e militares, dentre outros), para atuarem em
parcerias com os profissionais de saúde mental (psiquiatras forenses), visando
assim não somente o peso da lei, mas sobretudo, da condição médica e mental dos
indivíduos.; c) criação de linhas de
pesquisa na área forense
, englobando a saúde mental, a segurança pública, o
sistema judiciário e o ordenamento jurídico brasileiro.

              Além do exposto acima, apontamos
ainda como como o ordenamento jurídico se configura acerca do tema e como a
sociedade entende tal relação de criminalidade e transtornos mentais.

              Enfim, reacender constantemente
tais discussões por meio de trabalhos científicos é uma forma de fazer com que
as autoridades competentes se debrucem sobre o tema e assim possam visualizar
novos rumos dessas questões em nosso país, como por exemplo, rever não só a
legislação penal e processual penal no Brasil, mas também a construções de
novas possibilidades de se tratar da questão da Saúde Mental no país.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

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